quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Estudante gaúcha recebe prêmio Jovem Cientista e vai a solenidade do Nobel

Natural de Osório, no Rio Grande do Sul, Juliana Davoglio Estradioto tem apenas 18 anos e um currículo de peso: já faturou 11 prêmios científicos nacionais e internacionais, mais de 30 menções e votos de congratulações, participou de feiras de ciência nos Estados Unidos, e se tornou a primeira jovem brasileira da história a ser selecionada para acompanhar uma cerimônia do Prêmio Nobel.

Para conquistar tudo isso, a curiosidade foi fundamental: durante a infância, ela adorava subir em árvores e observar insetos. “A criança já é cientista, pois investiga tudo. Qual o primeiro instinto dela? Colocar tudo na boca”, diz Juliana em entrevista à Revista Galileu. “O sistema educacional e os adultos que vão cortando a ciência das crianças. É uma pena.”

Seu primeiro contato com os laboratórios ocorreu em 2016, quando ingressou no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul (IFRS) para cursar o ensino médico técnico em administração. No ano seguinte, participou de um trabalho sobre a agricultura da sua região, onde há vasta produção de maracujá. “Nessas visitas, percebi que os resíduos gerados não tinham destinação correta”, declara. Naquele momento, resolveu desenvolver um projeto para amenizar o problema.

Flor de maracujá

A solução encontrada foi a produção de um filme plástico biodegradável (FPB) que substitui embalagens plásticas das mudas de plantas. O produto, feito a partir de cascas de maracujá, leva cerca de 20 dias para entrar em decomposição e contribui com a redução da poluição do meio ambiente. 

O projeto rendeu à Juliana, o primeiro lugar na categoria Ensino Médio do Prêmio Jovem Cientista 2018, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Durante a cerimônia da premiação, que ocorreu em outubro de 2018 em Brasília, a gaúcha não conteve a emoção. “Foi indescritível. Não é fácil fazer pesquisa, ainda mais quando tu estás no ensino médio e não tem nenhum recurso destinado para isso”, desabafa. “Precisa de muito esforço e dedicação. O reconhecimento mostra que valeu a pena e que estou no caminho certo.”

O estudo foi desenvolvido com orientação da professora Flávia Santos Twardowski Pinto, a quem a gaúcha faz questão de agradecer. “Ela é brilhante, sempre me estimulou muito. Minha mãe também é incrível e inspiradora. Uma verdadeira guerreira”, orgulha-se. 

O plástico de maracujá, por enquanto, é apenas um experimento. A jovem cientista ainda precisa analisar se é viável patentear do produto. “Quero testar como seria o processo em larga escala, pois o método de produção é custoso”, explica.

O estudo ganhou ainda um local especial na pele da jovem: uma tatuagem de flor de maracujá, no braço esquerdo. “Esse projeto foi um divisor de águas, transformou a minha percepção de mundo", revela. "O maracujá é uma das minhas frutas favoritas. Adoro o suco, pois sou uma pessoa elétrica e tomo para me acalmar."

Menina de ouro
A primeira vez que ela ganhou um prêmio foi em um evento científico da escola. Já o primeiro grande reconhecimento nacional aconteceu na Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (FEBRACE) de 2017, quando ela apresentou seu estudo sobre a morte de peixes e poluição do Rio dos Sinos, que percorre 190 quilômetros do Rio Grande do Sul. Ela apontou que o problema ambiental é causado pelas atividades da industrial têxtil, que acaba descartando inapropriadamente restos de corante na água.

Com o prêmio, ela foi uma das representantes do Brasil na Intel International Science and Engineering Fair (Intel Isef) 2018 em Pittsburgh, nos Estados Unidos. A feira é famosa por destacar trabalhos científicos de jovens que ainda não cursam o ensino superior. 

Durante a Intel Isef, a gaúcha também ganhou uma bolsa de estudos para a Universidade do Arizona, nos Estados Unidos. Contudo, ela ainda não decidiu se vai para o exterior ou se continua no Brasil. “Sou muito nova para decidir algo tão importante. Na verdade, acho que os jovens escolhem a carreira muito cedo”, declara. “Em 2019, vou estudar para passar em uma faculdade que seja referência em pesquisas e com bons laboratórios ofertados, pois quero ser cientista.”

Por enquanto, Juliana decidiu que vai cursar engenharia química, visto que suas matérias preferidas são biologia e química. “A minha felicidade da semana na escola era fazer meus experimentos”, conta. “Se eu ficar longe do laboratório sem testar ideias loucas, não vou ser feliz.” 

Nobel
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Durante o ensino médio, a gaúcha desenvolveu três projetos científicos: o plástico da casca do maracujá, redução da poluição do Rio dos Sinos, e a transformação da casca de macadâmia em substrato para microorganismos com o intuito de produzir energia e celulose. 

Este último foi apresentado na 33ª MOSTRATEC, maior feira de ciências de escolas da América Latina, que acontece em Novo Hamburgo (RS). Juliana acabou ficando em 1º lugar na categoria Gerenciamento do Meio Ambiente. Com a colocação, ela foi selecionada para representar o Brasil no Seminário Internacional de Jovens Cientistas de Estocolmo (SIYSS, na sigla em inglês), programa exclusivo de ciência e cultura que leva 25 jovens pesquisadores do mundo para a Suécia.

A viagem acontecerá em dezembro de 2019, e ela vai apresentar sua pesquisa no seminário, visitar faculdades suecas, além de conhecer a família real do país. E o mais empolgante: vai acompanhar a cerimônia da premiação do Nobel – sendo a primeira jovem brasileira da história ser escolhida para o programa. “Não tenho palavras para descrever, é incrível. Vou acompanhar o prêmio mais especial da ciência. Estou muito animada”, ela diz, emocionada.

#LutePelaCiência

Para Juliana, a ciência no ensino básico é pouco difundida. Ela pretende mudar esse cenário, promovendo programas que incentivam a participação de jovens em pesquisas. “Não existe vida sem ciência, e antes eu não enxergava isso. Hoje sou mais atenta ao que acontece no meu cotidiano. Para mim, todos os problemas são passíveis de solução”, relata. “Temos que lutar para que jovens sejam valorizados como pesquisadores e cientistas.”

A gaúcha lamenta ter aprendido pouco sobre a participação de mulheres na ciência dentro da sala de aula. E para inspirar garotas, ela criou o projeto “Meninas Cientistas”, que vai divulgar pesquisas de meninas de todo o país. “Tento valorizar as mulheres como fontes de inspiração. Elas são tão especiais quanto os homens sobre os quais aprendi na escola”, destaca. 

Uma das motivações é evitar que meninas passem por situações de discriminação de gênero, como ela já sofreu. “Um professor falou que eu não estava entendendo o conteúdo porque as mulheres não conseguem projetar o espaço tridimensional, e que a neurociência explicava isso”, lembra. “Foi tão horrível que não tive reação, congelei. Mas se isso fosse hoje brigaria com ele."

Fonte: Galileu

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