domingo, 5 de agosto de 2018

Tragédia Carioca

Flávio Azevedo
O jornal O Globo da última sexta-feira (03/08) publicou um texto assinado pela minha xará, Flávia Oliveira; que recebeu o título “Tragédia Carioca”. A pauta é sobre dois diagnósticos feitos em 12 anos que apontam algumas razões para o ingresso de tantas crianças no tráfico. A pesquisa é do Observatório de Favelas sinaliza que os meninos se perdem por serem estigmatizados, negligenciados e desprezados por um poder público que está mais empenhado na brutalidade que no acolhimento.

Os pesquisadores entrevistaram, de maio de 2017 a abril deste ano, 261 jovens a serviço do tráfico em 150 em favelas e 111 em instituições socioeducativas. Entre 2004 e 2006, o Observatório já havia pesquisado a trajetória de 230 crianças e adolescentes. A “Tragédia Carioca” é constatar que nesse período não houve esforços oficiais para interromper o ciclo de vulnerabilidade que aproxima crianças do crime cada vez mais cedo. Na década passada, seis em cada dez meninos ingressaram no tráfico entre os 12 e os 15 anos; 7,8% antes dos 12. No levantamento recém-concluído, 54,4% se incorporaram aos grupos criminosos dos 13 aos 15; 14,5%, o dobro de antes, com menos de 12 anos. 

A mão de obra do varejo de drogas é, predominantemente, masculina, negra, muito jovem. Nasceu em lares de baixíssima renda. Integra famílias numerosas chefiadas por mulheres e carece de referência paterna, porque os homens foram embora, estão mortos, presos ou são desconhecidos. Meninos que estudaram pouco e/ou abandonaram a escola ainda no ciclo fundamental, com idade entre 11 e 14 anos. Muitos já trabalharam na construção civil, no comércio, como ambulante, mas no crime eles ganham até três salários mínimos e essa grana é importante no orçamento familiar.

Todos os meninos ligados ao tráfico estiveram na mão do setor público via escola. No levantamento de 2018, seis em cada dez adolescentes dizem que entraram no tráfico para ajudar a família; 47,5% queriam ganhar dinheiro; 15,7% tinham dificuldade para conseguir emprego. Quase metade já tem filhos, e 70% estão em relacionamentos estáveis, vivendo ou não com o cônjuge. Outro cenário que não é novidade: o ingresso no crime tem mais a ver com sustento e desejo de consumo do que com adrenalina, sensação de poder, fascínio por armas, apreço pelo risco etc.

Dois em cada três jovens trabalham mais de dez horas por dia, 48% não têm folga. Dos 261 entrevistados, 141 dizem que deixariam o crime se arrumassem um emprego formal, 40,2% já se afastaram do tráfico voluntariamente; 38,7% têm pouca ou nenhuma satisfação com a vida que levam. Na maior parte das vezes, o tráfico incorpora crianças e adolescentes REFÉNS DE UM CICLO DE POBREZA, POUCA FORMAÇÃO E FALTA DE OPORTUNIDADES. A expectativa por dinheiro, pertencimento e vida social, quando outros vínculos já foram rompidos é o chamariz para o ingresso na criminalidade.

Os pesquisadores pretendem entregar ao futuro governador eleito do Rio um conjunto de propostas embasadas nessas e outras pesquisas. A pretensão é alterar a política de segurança ancorada em confrontos que só produzem cadáveres, inclusive de policiais; e mostrar que escola, qualificação profissional acesso ao mercado de trabalho mudariam esse cenário.

Penso que o Observatório de Favelas faz um trabalho excelente e uma leitura precisa da presença dos pobres, negros e favelados na “Tragédia Carioca”, mas eu Flávio Azevedo, gostaria de ver uma pesquisa feita pelo “Observatório de Mansões, Condomínios Ricos e Coberturas". A primeira pergunta é “por que aqueles que vivem nesses espaços estão inseridos no crime?”. Estamos falando de gente que tem grana, poder, emprego, acesso a tudo que deseja, viaja para o exterior, tem conforto, mas através dos seus hábitos também promovem a "Tragédia Carioca". Qual será a razão? 

Desculpem se parece preconceituoso, mas observar negro, pobre e favelado para expor análises mais do que conhecidas é mole. Eu quero ver observar e expor o resultado de um estudo que pesquise o comportamento de quem mora em mansões, condomínios ricos e coberturas em Copacabana, Leme, Ipanema, Leblon etc. Só poderemos enfrentar a “Tragédia Carioca”, quando passarmos a “Observar e Pesquisar” os usos, costumes e práticas de quem está em mansões, condomínios ricos e coberturas. 

Segundo o “Observatório de Favelas”, a “tragédia” nesse núcleo pobre da novela da vida real acontece pela ausência do poder público, o que é uma realidade. Mas as personagens do núcleo rico da novela da vida real, onde sobra e se esbanja tudo, também colaboram com a “tragédia”, por quê?

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