Flávio Azevedo
CTIs sofrem com as máfias da Saúde há muitos anos. |
O governo federal está encontrando dificuldades para sanear os vícios e maus costumes que dominam os hospitais federais do Rio de Janeiro. Segundo o noticiário, as unidades estão tomadas por máfias políticas e dominadas por toda espécie de ave de rapina. Tem até milícias. Sempre que falo de Saúde e das máfias do setor, eu gosto de contar a historinha das vagas de CTI vivida por mim.
O ano, salvo engano, era 1999. Eu era um dos auxiliares de supervisão de Enfermagem do Hospital Regional Darcy Vargas (HRDV) de Rio Bonito. Uma gestante estava internada há vários dias e esperava transferência para uma maternidade que tivesse CTI adulto e principalmente um CTI neonatal, equipamento que poderia receber um recém-nato prematuro e mantê-lo com vida.
Estava difícil arrumar a vaga. Até que depois de dias nós conseguimos. Por desempenhar uma função administrativa e por causa do déficit de funcionários, eu fui escalado para acompanhar a gestante até aquele hospital, uma maternidade de referência do Rio de Janeiro.
Entramos na unidade e as dimensões eram gigantescas, sobretudo para nós que estávamos acostumados com o HRDV. Entramos no CTI e fiquei impressionado. O espaço era maior que a maternidade do Darcy Vargas. A unidade dispunha de duas equipes e cerca de 20 leitos, todos vazios. Quando eu vi todas aquelas vagas eu fiquei intrigado, mas logo a minha surpresa daria lugar a uma profunda irritação.
Questionei a um dos profissionais que recebeu a nossa paciente, se todas as internas do CTI tinham recebido alta ou se haviam evoluído para óbito. Ele me disse que não era nada disso e me explicou que os leitos tinham “dono”. E apontou. “Aqueles leitos ali (cerca de três) são de Dr. Fulano. Aqueles (outros três) são de Dr. Cicrano. Aqueles lá (outros três) são de Dr. Beltrano”. Mostrou leito por leito, deu o nome dos “donos” e fez uma revelação: “independente do leito estar vazio, só internam alguém nessas camas se o “dono” autorizar”.
Aquele profissional, que acredito ser um Enfermeiro, relatou que durante aquela semana que nós do Hospital Darcy Vargas nos desdobramos para transferir para lá uma gestante de risco sem ter sucesso, o CTI esteve exatamente daquele jeito: vazio. E acrescentou: “e essa paciente que você trouxe só foi internada, porque alguém da política conhecia Dr. Fulano, dono daquele leito. Ele que autorizou a internação”.
Quando a minha indignação é muita, eu fico calado. Faltavam-me palavras. Malmente agradeci a atenção daquele colega e vim embora calado. O motorista da ambulância que conhecia bem meu temperamento, na Ponte Rio-Niterói, percebendo que eu não dava uma palavra, olhando para a pista comentou: “essa é a primeira paciente que você trás... Eu venho quase toda semana, nesse e em outros hospitais. Aquilo que você viu acontece em todos os hospitais. Fica assim não... É assim mesmo!”.
Naquela hora eu tomei uma decisão que já vinha acariciando por razões muito similares. Apesar de amar a Enfermagem, aquela profissão não era para mim. Hoje, 20 anos depois, eu tenho a impressão que ali começava sair de cena o Técnico de Enfermagem e nascia um Jornalista.
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