Houve, anos atrás, um guarda-florestal chamado Grimez. Ele habitava em
solitário retiro nas florestas montanhosas da Prússia. Sua família era composta
da mulher, sua velha mãe e uma filha de aproximadamente doze anos. As senhoras
eram cristãs devotas, mas ele era incrédulo. Não acreditava em Deus e zombava
muitas vezes das orações de sua mulher, que ele dizia serem produto de uma “louca
confiança em Deus".
Em uma noite tempestuosa de outono, o vento assobiava através das
árvores. O guarda, que saíra de manhã, ainda não voltara. As duas mulheres
estavam sentadas ao fogo. Por causa da sua demora, elas estavam já um tanto
assustadas. Sabia-se que uma quadrilha de ladrões infestava o bosque, de forma
que havia, de fato, perigo. O guarda era funcionário do rei da Prússia e era
seu dever guardar a floresta apesar de todos os perigos.
Essa quadrilha, porém, já tinha sido presa, com exceção do chefe, que conseguiu
fugir dos esforços do guarda. Agora, o grande perigo era esse chefe, que, irado
contra o guarda que lhe destruíra a quadrilha, jurara vingança. E como aquelas
mulheres sabiam disso, o temor era justo. Estavam, pois, ansiosas, sem poder
falar de outra coisa, até que por fim a senhora mais velha disse:
– Não vale a pena estar assim falando e temer tanto a respeito do chefe
de nossa família. Será muito melhor procurar consolo e paz na Palavra de Deus e
pedir a proteção do nosso Pai que está no Céu, sem cuja vontade nem um cabelo
cai de nossa cabeça – disse.
A mulher foi então buscar a velha Bíblia e leu o Salmo 71, em voz bem
alta. As palavras deste Salmo lhes serviram de muito consolo, como a todos
aqueles que em circunstâncias idênticas, lançam mão do apoio da Palavra
Inspirada. "Em Ti, Senhor, confio; nunca seja eu confundido... Sê Tu minha
habitação forte, à qual possa recorrer continuamente... Pois Tu és a minha
rocha e a minha fortaleza. Livra-me, ó meu Deus, das mãos do homem injusto e
cruel”.
Acabada a leitura do Salmo, leu ela um hino de acordo com as palavras de
Davi. Dobraram então os joelhos em fervorosa oração, contando a Deus os seus
temores e pedindo a Sua poderosa proteção, em favor delas e do seu amado que se
achava em tamanho perigo. Oraram também pelos doentes e pelos pobres do lugar e
não se esqueceram de pedir a graça de Deus em favor também dos malfeitores,
especialmente daquele que jurara exterminar o chefe daquela família, para que
Deus lhe mudasse o coração perverso e o desviasse do mau caminho.
Feito essa oração, desapareceu-lhes do coração, como por encanto, todo o
temor e apreensão. Pouco depois ouviam elas os passos do guarda, que se
aproximava de casa. Estava são e salvo. Todas ficaram muito satisfeitas e ele
não menos, pois que enquanto elas estavam assim em oração, estivera bastante
temeroso por elas, para que não sucedesse que em sua ausência, o perigoso
ladrão as surpreendesse e matasse.
Antes de se deitarem, a mulher do guarda contou-lhe quão ansiosas tinham
ficado em sua ausência, e da oração que tinham feito a Deus para que o
guardasse no cumprimento do dever, incólume dos perigos, e para que as
guardasse também. Ele sorriu como sempre fazia quando lhe falavam de Deus e
disse que sua mulher era “louca, pois que as suas orações não tinham valor
algum”. Pela sua parte, preferia confiar nas suas armas infalíveis e em seus
cães fiéis. E assim se pôs a examinar as portas e janelas a ver se estavam bem
fechadas, carregou a sua arma de fogo e soltou os cães, julgando então que
podia dormir tranquilo, sem recear mal algum.
Uma hora depois, quando toda a família dormia, saiu de debaixo de um
banco um homem de aparência rude e feroz. Era o temido ladrão. Esse homem havia
penetrado na casa às ocultas, ao pôr do Sol, enquanto não havia ninguém em
casa, ocultou-se debaixo daquele banco. Ali permaneceu ouvindo tudo o que se
disse em relação à sua pessoa. Ele tinha vindo ali, como é de se imaginar, para
tomar vingança, matando toda a família quando esta estivesse dormindo. Agora,
pois, podia executar o seu plano. Ah! mas havia um empecilho. Ele foi quietinho
à mesa e pôs sobe ela a faca afiada que trazia consigo, pegou a Bíblia que a
mulher do guarda lera no culto da noite e que ainda estava aberta no Salmo que
tinha sido lido.
Aquelas palavras tinham operado sobre ele um efeito prodigioso.
Experimentou então lê-lo à fraca luz da Lua, mas não o conseguiu, e fechando o
livro, perplexo, ao pé da mesa, não sabia que fazer, por mais que tentasse
vencer o seu estado de vacilação. Duas ou três vezes pegou a faca para executar
o tremendo desígnio que ali levara, mas punha-a outra vez sobre a mesa. Pensou
nas palavras consoladoras do Salmo e temeu cometer o ato. Então, depôs outra
vez a faca em cima da mesa e tomou consigo a Bíblia. Abriu de mansinho a janela
e saiu silenciosamente, que nem os cães o pressentiram. Pulou depois a cerca e
desapareceu na escuridão do bosque.
Quando de manhã o guarda e a família vieram do quarto e encontraram
aberta a janela e a faca em cima da mesa, notando também o desaparecimento da
Bíblia, ficaram deveras surpresos. A janela aberta era sinal de que alguém
estivera em casa; a faca mostrava que o plano dessa pessoa era matar; a falta
da Bíblia indicava que esse livro precioso tinha sido, de qualquer forma, o
salvador da casa. Toda a casa foi examinada, nada faltando, porém, senão a
Bíblia.
Eis aí um mistério que desafiava toda a argúcia para dar-lhe explicação
plausível. A mulher do guarda dava larga à sua alegria e gratidão Aquele que os
salvara. Até o marido incrédulo não podia negar que nem os cães nem as armas os
tinham salvo. E deixou de rir da mulher, pensando que, de fato, alguma coisa
profunda existe na religião. Depois daquela noite, não mais se ouviu falar do
ladrão temível daquele bosque.
Quando rebentou, logo depois, a guerra entre a Prússia e a França, houve
sanguinolentos combates. Entre os que caíram no campo de batalha, estava um
capitão prussiano, que não era outro senão o guarda-florestal desta história.
Os soldados prussianos, supondo-o morto, abandonaram-no no campo. Um pescador,
que cautelosamente vinha passando por perto, ouviu os gemidos do pobre ferido e
atracou o seu barco à praia. Achando ali, banhado de sangue, o capitão
prussiano, o pescador chamou um companheiro e o transportaram para o barco,
conduzindo-o para a outra margem do rio, onde havia grande número de cabanas.
Para uma delas dirigiram os passos em busca de socorro para o ferido. O
pescador e sua mulher trataram cuidadosamente do capitão. O bom pescador,
julgando que seria conveniente, escreveu à mulher do capitão, convidando-a para
vir tomar conta de seu marido e, tendo ela vindo em companhia da filha,
alojou-se numa cabana vizinha, cedendo a sua ao capitão com a família, até o
seu completo restabelecimento.
Durante a sua enfermidade, o capitão pensou na maravilhosa salvação que
Deus operara naquela noite memorável. Pensou também na maneira por que tinha
sido tratado até ali dos seus ferimentos. Em tudo isso pôde ver a mão de Deus e
começou a orar seriamente, tornando-se cristão.
Depois de restabelecer-se, tratou de preparar-se para voltar para a sua
casa, mostrando então desejo de pagar ao pescador toda a sua generosa
hospitalidade. Este nada quis aceitar. Contou então ao guarda que a sua dívida
em relação a ele era muito menor do que a sua própria. "Sou-lhe
devedor," disse, "de um grande tesouro que tirei de sua casa e agora
quero devolvê-lo". Foi então para
dentro de sua cabana e trouxe de lá uma Bíblia.
A mulher do guarda reconheceu imediatamente naquela Bíblia, a que tinha
desaparecido misteriosamente naquela noite, sem que se pudesse achar uma
explicação possível. Ela apertou ao coração o velho livro amado, e o pescador
contou a seguinte história. “Vejo que me não reconheceu”, disse ele, fitando o guarda-florestal.
“Mas eu sou o ladrão que tanto trabalho deu até que foram apanhados os seus
companheiros. Fiquei muito encolerizado contra o senhor e por causa disso jurei
vingar-me. Entrei em sua casa uma tarde, ao escurecer, com o propósito
deliberado de matar, o senhor e toda a família. Fiquei longo tempo oculto
debaixo de um banco, esperando o momento oportuno para realizar o meu intento.
Contra a vontade fui forçado a ouvir a leitura do Salmo 71, em voz alta, pela
sua senhora. Esse Salmo exerceu uma influência maravilhosa sobre mim.
“Ao orar, essa influência aumentou... Parecia que uma mão invisível me
detinha de cometer o ato que intentava. Formou-se em mim o desejo ardente de
ler esse livro. Por muitas semanas guardei-o escondido perto de sua casa, no
bosque. A Bíblia se me tornou excelente companheiro e com sua leitura pude ver
quão grande pecador sou eu e que grande Salvador é Jesus Cristo. O mesmo
Salvador que perdoou o ladrão na cruz teve de mim compaixão e me recebeu no Seu
reino. Deixei então o teatro das minhas façanhas e encontrei aqui emprego de
pescador”.
“Como Deus fez de mim uma nova criatura, desejo viver vida nova e minha
mulher está-me ajudando a servir a Deus. Temos tudo o que desejamos em relação
a esta vida e a bênção da esperança de uma vida futura. Tudo isso foi feito
pela Bíblia que achei em sua casa aquela noite. O senhor, meu caro guarda-florestal,
confiou nas suas armas e nos seus cães e eles absolutamente não o puderam
guardar. Foi somente a Palavra de Deus que o guardou de embeber eu em seu corpo
a lâmina de uma faca. Foi o mesmo Deus que o guardou aquela noite, que o salvou
agora nesta guerra. Não me agradeça coisa alguma, mas dê louvores ao Deus
misericordioso que por Sua Palavra nos salvou".
Fonte: Pérolas Esparsas
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