O deputado federal Romário discursando na tribuna do parlamento nacional. |
Eleito
com 147.000 votos pelo Rio de Janeiro, Romário, 46 anos (à época da entre vista), chegou à Câmara dos
Deputados em Brasília, no ano passado, com o afiado instinto de artilheiro que
fez dele um dos maiores craques do futebol brasileiro em todos os tempos.
Romário, porém, logo descobriu que seria difícil jogar naquele campo.
"Aquilo ali é o palco que uma panelinha de políticos usa para dar show na
TV", diz o deputado de primeira viagem do PSB, que, descrente da política
partidária, concentrou sua ação parlamentar na defesa da causa dos deficientes
brasileiros. São de sua autoria duas iniciativas que melhoram a renda e dão
mais garantias a eles. Desde que Ivy, sua sexta filha, fruto do terceiro
casamento, nasceu com a síndrome de Down, há sete anos, Romário se entregou a
ela e à luta para tornar melhor a vida das pessoas portadoras de necessidades
especiais. Disse Romário a VEJA: "Essa menina mudou minha vida".
Revista Veja: Como é sua vida como
deputado em Brasília?
Romário: Evito
frequentar os mesmos lugares que os políticos. Na verdade, fujo deles. Não é
por nada, não, mas, com exceção de um ou outro, prefiro esbarrar com essa turma
só mesmo nos corredores do Congresso.
Veja: Não são boas companhias?
Romário: Fiz
amizade com um pessoal, mas, vou lhe dizer uma coisa, ali só uma minoria de
gente vale a pena conhecer. De mais de 500 deputados, uns 400 não querem saber
de nada. Nada mesmo. Dão as caras, colocam a digital para marcar presença e se
mandam. Vejo isso o tempo todo. Virou cena tão comum que ninguém demonstra um
pingo de constrangimento em fazer o teatro. Muita gente ali ocupa cargo de
líder, é tratada como autoridade, mas está no quarto, quinto mandato e nunca
propôs nem uma emendazinha. Como pode? Passam anos no bem-bom do poder sem
cumprir uma vírgula do que prometeram. Mas, quando vão à tribuna, os caras
falam bonito que só vendo.
Veja: Qual é o estilo Romário na
tribuna?
Romário: Até
hoje, consegui falar duas vezes porque fui sorteado. Tirando o sorteio, só dá
para iniciantes como eu terem acesso à tribuna nos horários em que o plenário
está às moscas. É a panelinha que manda. Os donos do microfone são os líderes e
os deputados com mais tempo de casa. Eu mantenho o estilo Romário, sem muita
firula nem enrolação. Às vezes, me embaralho com o nome das coisas. É muita
sigla e título para decorar: "Vossa excelência" para cá,
"líder" para lá. Se tenho dúvida, pergunto para alguém do meu lado ou
procuro a resposta na internet. Até aí, tiro de letra. Mas a tribuna ainda é um
lugar muito estranho para mim.
Veja: Estranho por quê?
Romário: O
debate não segue uma linha lógica de raciocínio porque a maior preocupação ali
é dar show para a televisão. Outro dia, um deputado começou a falar de salário
mínimo. Aí, um outro chegou e ficou discursando sobre a ponte que tombou na
cidade dele. Ou seja, a conversa não chegou a lugar nenhum. Uma loucura. Quando
pisei lá pela primeira vez, aquilo me deprimiu. Queria fugir. Pensava o tempo
todo: "Cara, me meti numa roubada". Mas fui me acostumando e, mesmo
com essas esquisitices, estou gostando. No Brasil, falou que é político, as
portas se abrem na mesma hora.
Veja: Aconteceu com você?
Romário: Mesmo
sendo o Romário, antes eu ligava cinco, dez vezes para o Ministério do Esporte,
em busca de parceria para alguns projetos, e ninguém me retornava. Agora, é
completamente diferente. Às vezes, leva um pouco de tempo, mas as pessoas me
recebem, me ouvem. O poder atrai. Para aprovar minhas propostas, falei com
ministro, líder da oposição, todo mundo.
Veja: Recebeu tratamento de deputado ou
de celebridade do futebol?
Romário: No
começo, não teve jeito. Entrei para o grupo das "celebridadezinhas"
do Congresso. Fazer o quê? Mas acho que já me distanciei bastante daquele
grupo. Tem cara famoso ali só esquentando cadeira. Nunca dá o ar da graça no
plenário nem faz nada de útil. Até daria nome aos bois, e olha que não são
poucos, mas, sabe como é, daqui a pouco preciso do apoio de um e outro e acabo
pagando caro pela língua.
Veja: Você foi bem recebido pelo alto
clero, os caciques da Câmara dos Deputados?
Romário: Me
dou mais com os novatos e com o pessoal da pelada (entre eles, o ex-boxeador
Popó, do PRB-BA, e o ex-goleiro do Grêmio Danrlei, do PSD-RS). Agora, vamos
combinar que essa coisa de alto e baixo clero não tem valor nenhum. De fora,
todo mundo acha que lá no alto está a nata da nata, mas isso é balela. O que
mais tem no andar de cima é gente que não se coça para nada, quando não sai por
aí se metendo em pilantragem.
Veja: Pelo que você viu até agora, dá
para fazer carreira na política?
Romário: Talvez.
Fizeram, no ano passado, uma pesquisa de intenção de voto para a prefeitura do
Rio e eu apareci com 6% logo de saída. Fiquei animado, mas o meu partido
decidiu apoiar o Eduardo Paes (PMDB) e eu desisti de concorrer desta vez. Posso
também seguir carreira de comentarista de futebol. É uma das profissões mais
fáceis do mundo. O que mais tem por aí é palpiteiro que não entende nada do
negócio se dando bem. Gente que, quando teve a chance de botar toda essa
sabedoria em prática, no campo, só deu vexame.
Veja: O que acha da atual seleção
brasileira?
Romário: Sempre
gostei do trabalho do Mano Menezes, o atual técnico da seleção, mas se o time
ficar nesse nível aí, jogando essa bolinha, talvez seja hora de pensar em mudar
de treinador. Está duro ficar na frente da televisão vendo jogo do Brasil. Ser
técnico de futebol é bem mais complicado do que ser comentarista. Eu treinei o
Vasco por dois jogos e saí com a certeza de que não levo jeito para a coisa. É
muito ego de jogador para administrar. Sinceramente, se aparecesse um Romário
na minha frente, não conseguiria aturar o cara.
Veja: Por quê?
Romário: Eu
era muito chato. Para começar, me achava o máximo. Passava dos limites e não
estava nem aí. Se era o melhor, queria os meus privilégios. Cada um que
conquistasse os seus. Mulheres na concentração era o básico. Com 18 anos, virei
milionário e fiquei completamente deslumbrado. Era um favelado e, de repente,
podia escolher carro, casa, roupa de marca. Tinha a mulher que eu quisesse. Por
isso, entendo o comportamento de um jogador como o Neymar. Ele sou eu uns vinte
anos atrás. É um tipo diferente do Adriano, por exemplo.
Veja: Em que o Neymar e o Adriano são
diferentes?
Romário: O
Adriano gosta de voltar para as raízes. Prefere viver na comunidade a morar no
Leblon. Aliás, comunidade não. É favela mesmo. E ali, claro, tem mais risco de
se envolver com problemas. Eu às vezes visito a favela onde nasci, o
Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro, mas prefiro viver na Barra da
Tijuca, com a rede de futevôlei a dez passos do meu apartamento e do lado do
shopping onde compro meus ternos Armani.
Veja: Por que deixou de pagar a pensão
de uma de suas ex-mulheres?
Romário: Por
uma questão matemática. Para mim, dez dividido por dois é cinco. Para a Mônica,
é oito. Vai fazer o quê? Toda semana tenho de comparecer a alguma audiência
porque ela me colocou na Justiça. Já virou rotina. Esse foi meu primeiro
casamento. Eu tinha 20 e poucos anos. Pode ter gente que não bota fé nisso, mas
mudei muito com o nascimento da minha filha caçula, a Ivy.
A entrevista mostra que "o gênio da grande área" está se tornando gênio também na política. |
Veja: Qual foi sua reação quando soube
que ela nasceu com síndrome de Down?
Romário: Fiquei
em choque nas primeiras horas depois do parto. A Isabella (mãe da menina) tinha
feito dois exames no pré-natal. O primeiro indicava que o bebê tinha um risco
razoável de nascer com Down. O segundo praticamente descartou a hipótese.
Então, não estava preparado para aquilo. Quando o médico me avisou, eu me
perguntava: "Por que isso foi acontecer logo comigo? O que eu fiz de
errado?". Já tinha cinco filhos, todos eram normais. Eu mesmo quis dar a
notícia à Isabella. Disse: "Nossa menininha nasceu diferente". Ela
sorriu, emocionada, e respondeu: "Calma, vai ficar tudo bem". A
reação dela me deu muita força.
Veja: Em algum momento você pensou em
esconder a situação?
Romário: Nunca.
O médico ainda não tinha nem diagnosticado qual era a síndrome de Ivy quando
deixei o hospital e fui treinar. Naquele tempo eu jogava no Vasco. Convoquei a
imprensa e contei: "Minha filha nasceu. Ela não é perfeita, mas estou
muito feliz". Desde o começo, tive o instinto de deixar tudo bem
transparente. Se o próprio pai age com preconceito, escondendo a criança, ela
vai ter pouca chance de ter uma vida legal. Sei de muitos pais que rejeitam o
filho com Down, a ponto de não saírem de casa com ele. Pagam uma babá e deixam
a criança de lado, como se não fosse sua. Depois que comecei a me envolver
nesse mundo, descobri umas celebridades que têm filhos assim e jamais trouxeram
o assunto à tona. Não dou os nomes por respeito, mas acho uma pouca-vergonha.
Veja: É angustiante perceber limitações
em sua filha?
Romário: As
expectativas precisam se ajustar, claro. A Ivy tem o tipo mais brando de Down,
a síndrome de mosaico, e se vira muito bem. Os primeiros quatro anos de vida
foram os mais difíceis. Ela fez fisioterapia intensiva, porque tinha a
musculatura mais fraca. Ainda vai à fonoaudióloga e à natação. Fiz e faço tudo
o que posso pela Ivy. Hoje com 7 anos, conta até 100 em português, até 20 em
inglês, identifica as cores e até as marcas de carro. Na escola, está só um ano
atrasada.
Veja: O que sabia sobre a síndrome de
Down antes de ela nascer?
Romário: Nada.
Quando o problema não é com você, ele não o sensibiliza. Depois que ela nasceu,
comecei a conversar com outras famílias e a ler tudo sobre o assunto. Ainda bem
que tive minha filha numa fase menos baladeira. Crianças assim precisam de
muito carinho.
Veja: Ela sofre preconceito?
Romário: Na
minha frente, ninguém nunca teve coragem de manifestar. Mas as pessoas no
Brasil ainda olham diferente para os deficientes. Felizmente, o assunto está
aos poucos deixando de ser tabu. É uma de minhas bandeiras no Congresso e em
casa. A Ivy é a primeira a falar sobre sua síndrome. Outro dia, a gente estava
andando na rua quando cruzamos com uma menina que também tinha Down. Minha
filha comentou na mesma hora: "Papai, olha, essa garota é igual à
Ivy?". Perguntei como sabia disso, e ela apontou para o próprio rosto,
orgulhosa, dizendo: "Porque ela é assim".
Veja: O que muda na CBF com a renúncia
do presidente Ricardo Teixeira?
Romário: Nada.
Basta dizer que o novo presidente, o José Maria Marin, surrupiou uma medalha
dos meninos do Corinthians na caradura. Botou no bolso e levou para casa. Não
tenho nenhuma ilusão. Trocamos um ruim por outro pior. Que diferença faz? Eu
nunca escondi minha aversão à figura do Ricardo Teixeira e não é agora que vou
dar uma de elegante.
Veja: Por que você brigou com Ricardo
Teixeira?
Romário: É
uma história antiga. Um dia, antes da Copa do Mundo de 2002, ele apertou minha
mão bem firme, olhou nos meus olhos e disse, com aquela pose de mandachuva:
"Romário, você está dentro do time". Ainda perguntei se o Felipão (o
então Técnico da seleção Luiz Felipe Scolari) não ia se opor. Era direito dele
não querer me escalar. Teixeira respondeu: "Eu mando nisto aqui. Pode
fazer as malas". Três dias depois, meu nome estava fora da lista de
convocados. Nunca mais me dirigi ao Ricardo Teixeira. O cara não tem palavra.
Veja: O secretário-geral da Fifa,
Jérôme Valcke, exagerou nas críticas que fez à organização da Copa no Brasil?
Romário: Ele
foi arrogante e mal-educado, o que não me surpreende, mas está certo no que
diz. Nosso atraso é absurdo mesmo. A Copa até vai sair do papel, mas vão erguer
uns puxadinhos aqui, fazer umas maquiagens ali. Tudo mais caro do que deveria
por causa da pressa. Muita gente se beneficiará disso. Pode escrever. Vai
chover obra emergencial sem licitação e a corrupção vai correr solta. Como deputado,
pretendo acompanhar o processo de perto e escancarar a bandalha.
Por Renata Betti/Veja
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