Flávio Azevedo
O Rio de Janeiro é, segundo André Filho, a "Cidade Maravilhosa". |
Se em 1930, a pequena notável Carmen Miranda, surge para o mundo através de uma despretensiosa marchinha de Carnaval, em 1934 a já consolidada cantora percebe que esse poderia ser o caminho para trazer ao mundo artístico a sua irmã, Aurora Miranda, que tinha apenas 19 anos. Compositor de “Cidade Maravilhosa”, canção que em 05 de maio de 1960 se tornaria o Hino do Rio, André Filho não pensou duas vezes diante da oportunidade de contar com a irmã da badalada Carmen Miranda cantando a sua canção.
“Cidade Maravilhosa” tem o seu surgimento naquilo que é a marca do Rio: a paixão pelo Carnaval. Longe de ser uma marcha militar, “Cidade Maravilhosa” carrega alegria, entusiasmo e suspiros em todas as suas estrofes. Nos anos 30, poucos anos depois da “Reforma Passos” e da modernização da então Capital do Brasil, a inauguração do Cristo Redentor elevava o Rio de Janeiro a condição de principal ponto turístico do planeta. É claro que existe um apelo ufanista na canção, mas “Cidade Maravilhosa” caiu nas graças do carioca, do brasileiro e dos visitantes que vinham conhecer o novo Rio de Janeiro.
Gravada em 04 de setembro de 1934, além de oportunizar espaço para a irmã de Carmen Miranda, a ideia dos empresários do mercado fonográfico era quebrar as tradicionais vozes masculinas no repertório de Carnaval. Embora André filho não seja tão conhecido como a canção, ele foi um compositor bem sucedido. Assinou mais de 200 composições, entre sambas, marchinhas e canções românticas. Alguns sucessos, como "Alô, Alô" foram imortalizados por Carmem Miranda. De acordo com Suely Ribas, sobrinha do compositor, os bailes abriam e fechavam com “Cidade Maravilhosa”.
André Filho
O compositor André Filho compôs cerca de 200 canções. |
No site do Instituto Moreira Sales um documentário faz revelações importantes sobre o compositor André Filho, que compôs canções apresentadas ao público por nomes famosos como Francisco Alves, Mário Reis, Sílvio Caldas e as irmãs Miranda (Carmen e Aurora). Na década de 30, ele decidiu participar de uma promoção chamada “Festa da Mocidade”, em que se elegia a Rainha da Primavera. Para essa ocasião ele compôs “Cidade maravilhosa”. O título reproduzia uma expressão consagrada pelo escritor Coelho Neto.
No dia 4 de setembro de 1934, Aurora Miranda e André Filho deram voz à marchinha “Cidade maravilhosa”, lançada pela Odeon em outubro, sem chamar atenção. No início do ano seguinte, a composição foi inscrita no concurso de músicas de Carnaval da Prefeitura do Rio, que ocorreu em 10 de fevereiro de 1935 no Teatro João Caetano. Aurora defendeu a marcha, que acabou ficando em segundo lugar, perdendo para “Coração ingrato” (de Nássara e Frazão), interpretada por Sílvio Caldas. André Filho ficou indignado com o resultado e, segundo informações da época, quase partiu para as vias de fato com Ary Barroso, um dos jurados, com quem teria chegado a romper relações.
Aurora e Carmen Miranda |
A indignação do compositor parece ter sido razoável, porque no caderno de recortes que pertenceu a André Filho (hoje, depositado em seu acervo no Instituto Moreira Salles), há uma matéria sobre o referido concurso (sem indicação do nome do periódico, com a data “11-2-935” escrita à mão), intitulada “O julgamento das músicas carnavalescas”.
– Já registramos, em nossa edição extraordinária, a surpresa causada pelo “veredictum” final quanto às marchas. A assistência recebeu mal o julgamento, dando expansão ao seu protesto. O autor de “Coração ingrato” veio à cena, no intuito de acalmar o povo, sendo recebido com uma forte assuada [vaia]. Entretanto, a André Filho, autor da “Cidade maravilhosa”, foi feita grande manifestação, com toda plateia de pé. No final, foi ele carregado em triunfo – diz o texto.
A despeito da opinião do júri, sua marchinha ganhou a simpatia do público e foi consagrada no salão, tornando-se, a partir daí, presença obrigatória em todos os bailes carnavalescos. Apesar do talento para compor, André Filho tinha saúde mental comprometida e o problema se agravou com por conta de problemas pessoais (entre eles, um casamento desfeito e vários distúrbios nervosos). No início dos anos 40 se afastou do mundo artístico e foi morar com a mãe de criação, D. Constança de Magalhães Ferreira, e permanecendo aos cuidados desta.
Durante vários anos, ficou recluso e esquecido, ao contrário de sua composição mais famosa, que se eternizava pelas ruas da cidade que homenageava. A notícia de que sua canção foi elevada a condição de Hino da Cidade do Rio de Janeiro, proposta do vereador Salles Neto que foi promulgada pelo governador Carlos Lacerda, ocorreu numa época que o compositor encontrava-se internado no Hospital da Ordem do Carmo.
Tentativas de mudar o Hino do Rio
Ocorreram duas tentativas de destituir a marchinha do seu trono de “Hino do Rio”. A primeira foi em 1962. Sob a alegação de que “Cidade maravilhosa”, de André Filho, “não reflete, na tradição, o sentimento patriótico da gente carioca”, a deputada Lygia Lessa Bastos está liderando um movimento para que o hino da Cidade seja uma música “que possua as características técnico-musicais peculiares e inconfundíveis do gênero”, escreveu, à época, o jornalista Sérgio Cabral.
Para amenizar a má situação financeira do compositor (devido às despesas da internação), um grupo de 20 cantores se reuniu nos estúdios da Odeon no dia 22 de dezembro de 1964, sob a regência de Lyrio Panicalli, para gravar, em coro, a marcha-hino da cidade, com o lucro das vendas revertido em benefício de André Filho. Os artistas participantes foram Altemar Dutra, Dalva de Oliveira, Elza Soares, Evaldo Gouveia, Gregório Barrios, João Dias, Moreira da Silva, Orlando Dias, Pery Ribeiro, Tito Madi e os integrantes dos Golden Boys, do Trio Esperança e do Trio Irakitan. O apelo dos artistas funcionou e em 1965 o governo da Guanabara decidiu adquirir os direitos autorais da marcha famosa.
O Rio esteve novamente perto de perder seu hino em fins de 1967, quando o deputado Frederico Trotta apresentou Projeto de Lei (que se transformou na Lei 1.685) sugerindo à Assembleia Legislativa a criação de um concurso para a escolha de um novo, em substituição a “Cidade maravilhosa”. Para justificar seu projeto, argumentava que a marcha tinha “música alegre, balanceante, carnavalesca e irreverente para o ritual das solenidades sérias e imponentes, às quais se torna forçoso o comparecimento de autoridades dos três poderes constituídos, bem como de personalidades estrangeiras”. Ou seja, não tinha status de hino. Os cariocas reagiram novamente, mas o projeto virou lei, promulgada em 26 de julho de 1968, e abriu-se concurso para a escolha do novo hino.
Não se sabe ao certo o que aconteceu, mas o deputado Trotta apresentou Projeto de Lei revogando seu texto anterior. Mas a música definitivamente não tinha sossego. No mesmo mês a deputada Lygia Lessa Bastos voltou à carga, desta vez propondo a criação de outro “hino oficial” para o Estado da Guanabara. A composição, porém, continuou firme até ganhar tranquilidade com a Lei 3.611 de 12 de agosto de 2003, quando foi estipulado que fica instituído como “Hino Oficial da Cidade do Rio de Janeiro a canção conhecida como "Cidade maravilhosa" de autoria do compositor Antônio André de Sá Filho (André Filho), conforme partitura impressa no Anexo I desta Lei”.
O 2º artigo define que “nas cerimônias oficiais realizadas por entidades e instituições de nossa Cidade, onde for feita a execução do Hino Nacional Brasileiro, as orquestras, bandas marciais e demais músicos serão previamente orientados pelo órgão promotor do evento a executarem o Hino Oficial da Cidade do Rio de Janeiro”.
Texto da Série "Carnaval de Antigamente", por Flávio Azevedo.
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