segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Fechamento do Hospital Colônia Rio Bonito é cinismo e falta de compromisso político com a Saúde Mental

Flávio Azevedo

Em agosto de 2010, os Ministérios Públicos, Federal (MPF) e Estadual (MPE); União, Estado e a prefeitura de Rio Bonito firmaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) contendo plano de ação para a desinternação de todos os pacientes do Hospital Colônia de Rio Bonito (HCRB) no prazo máximo de até um ano. O TAC resulta de uma investigação conjunta do MPF e do MPE conduzida pelo procurador da República Lauro Coelho Junior e pela promotora de Justiça Luciana Martinho, onde se verificou o abandono do manicômio e a falta de tratamento eficaz aos pacientes com transtornos mentais (isso não é de hoje!).

No último dia 9 de dezembro, nova notícia sobre a instituição. A Justiça Federal determinou que a União, o governo do Estado do Rio e a prefeitura de Rio Bonito, na região das baixadas litorâneas, assumam a gestão do HCRB. As três partes terão de elaborar um plano que viabilize a retirada de todos os pacientes da unidade. A ordem judicial partiu de um pedido dos Ministérios Públicos, Federal e Estadual, do Rio.

A investigação foi iniciada assim que promotores tomaram conhecimento de que o hospital estava abandonado e não cuidava de maneira adequada dos cerca de 300 pacientes lá internados. Uma liminar expedida pela 1ª Vara Federal de Itaboraí determinou que o município de Rio Bonito reforme as duas enfermarias da unidade em um prazo máximo de 30 dias. Além disso, terá de realizar reparos nas máquinas, comprar, lençóis, cobertores e colchões novos.

A prefeitura ainda precisará prestar contas dos valores repassados pelo governo federal para a manutenção do hospital e fornecer diretamente os insumos necessários ao funcionamento do hospital e concluir em até 120 dias a construção de duas residências terapêuticas para abrigar os pacientes que serão removidos.

Já a União deverá repassar à prefeitura de Rio Bonito a verba referente a 400 autorizações para internação hospitalar. A Justiça determinou também o bloqueio dos bens do hospital e de seus sócios administradores. Após o julgamento definitivo do processo, o MPF pede que o hospital seja descredenciado pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e encerre suas atividades. O hospital também deverá restituir ao poder público o montante recebido nos últimos cinco anos de convênio com o SUS e ainda pagar multa no valor a ser estipulado pela justiça por danos morais coletivos.

O TAC tem como objetivo implementar a política prevista na Lei 10.216/2001, que visa acabar com o modelo de internação em manicômios, substituindo-o por um modelo que prevê o atendimento em família, mediante assistência dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), ou em residências terapêuticas, para os que não têm família. Uma comissão com representantes da União, Estado e Município deve gerenciar o deslocamento dos pacientes do hospital em Rio Bonito para locais adequados.

Caos eminente

Em agosto de 2010, segundo uma vistoria técnica do MPE realizada no hospital, em outubro do ano passado, o local possuía 432 pacientes internados, que ficavam deitados ou vagando pelas enfermarias e pátios sem qualquer atividade terapêutica ou recreativa. Nas enfermarias foi verificado a existência de infiltrações e umidades nas paredes e tetos e os prontuários médicos não estavam atualizados. As camas, muitas delas quebradas, não tinham lençóis, travesseiro, nem cobertor. Nos banheiros, além da deficiência na limpeza, muitos dos chuveiros elétricos e vasos sanitários não funcionavam (só descobriram isso, agora?). Por todo o ambiente do hospital, era possível sentir mau cheiro.

Explicações e emoção

Em 2009, o jornalista Flávio Azevedo visitou o HCRB e conversou com a diretora da instituição Maria Luisa Cid Loureiro. A época, ela disse que com as mudanças na forma de tratar a doença mental – desospitalização e a criação dos Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS) –, o HCRB está enfrentando uma profunda crise financeira. “O caso é desesperador, porque estamos em setembro (2009), mas ainda não recebi o mês de julho”.

Com um discurso emocionado, ela disse que se sente abandonada. “Você é a terceira pessoa que procura saber o que aconteceu comigo, porque das autoridades de Rio Bonito, eu não recebi sequer um telefonema. Nós fomos invadidos, desrespeitados, não nos deixaram falar, e ninguém, com exceção da coordenadora de Saúde Mental do município, Luciana Albuquerque, se mostrou solidário com a nossa situação”, lamentou.

Segundo Maria Luisa, “apesar de nós termos representantes no governo federal e estadual, O HCRB não tem nenhum suporte político. Parece que somos leprosos. Somos 700 pessoas, sendo 440 pacientes e cerca de 300 funcionários, mas estamos abandonados”, disse. Ainda de acordo com Maria Luisa, a diária de cada paciente é de R$ 31,00. “Desse valor nós temos que dar alimento, medicação, vestimenta, a equipe médica e técnica que cuida da saúde desse doente, entre outras coisas”. A forma que foi conduzida a fiscalização no HCRB, deixa Maria Luisa à vontade para acreditar que “tudo não passou de uma coisa orquestrada, porque filmaram, inclusive, locais que estão desativados. Tudo isso com a única intenção de nos desmoralizar”.

Sobre desospitalização, a diretora do HCRB acredita que essa ideia é apenas para o pobre, “porque quem tem dinheiro consegue internação em clínicas que cobram mil reais diariamente”. Sobre a fiscalização, Maria Luisa ironiza: “estiveram no Hospital, viram os pacientes maltratados e foram embora sem resolver o problema. Eles não poderiam sair e deixar os pacientes recebendo maus tratos!”. A diretora voltou a alfinetar as autoridades, dizendo que “nós não somos nada nesse município. Aliás, as pessoas discutem a saúde da região e deixam fora do debate os maiores hospitais da cidade, o Hospital Colônia Rio Bonito e o Hospital Regional Darcy Vargas. Eles tratam dos temas sem saber efetivamente o que está acontecendo nessas instituições”, concluiu.

Conclusão e reflexão

Antes de ser jornalista, eu sou técnico de enfermagem, área em que eu atuei por mais de 10 anos. Trabalhei, inclusive, no Hospital Colônia Rio Bonito e na Clínica de Repouso Ego, em Tanguá. As minhas passagens por essas instituições psiquiátricas, mais os anos de jornalismo e contato com disciplinas como Sociologia e Antropologia, me deram conhecimento suficiente para falar da realidade desses lugares, das pessoas envolvidas (pacientes, administradores e profissionais) e do interesse do governo para com esses lugares.

Concordo que os manicômios e hospitais psiquiátricos de toda e qualquer natureza devem ser desativados. Aliás, eu apoio a reforma psiquiátrica! Em 1995, quando eu, recém-formado, comecei trabalhar no HCRB, eu sempre defendi que os doentes mentais deveriam ser tratados com muito mais respeito e humanidade por todos nós. Mas, geralmente, aqueles que estavam acima de mim hierarquicamente, me chamavam de “louco”.

Por outro lado, acho muito cínica e intempestiva essa mudança, porque não estamos vendo seriedade por parte do governo na condução desse assunto, que envolve uma série de fatores extremamente importantes. Ao governo, eu faço apenas algumas perguntas: “E as fábricas de malucos, elas também estão sendo desativadas? O governo está atento a essa indústria perversa?”. Eu explico! Eu estou falando das drogas lícitas e ilícitas, que começam a ser utilizadas cada vez mais cedo; dos emagrecedores e moderadores de apetite; da eterna desigualdade social; da incorrigível falta de Educação; tudo isso coisas corriqueiras em nosso país. Isso também está sendo atacado? Eu não estou vendo. Será que alguém pensa ser o programa Bolsa Família a solução para os problemas do nosso país?

Outra questão: segundo informações dos organismos do Ministério da Saúde, os pacientes psiquiátricos estão sendo preparados para o convívio em sociedade. Acho isso louvável e muito bom! Eu defendo isso! Mas a sociedade está sendo preparada para o convívio com essas pessoas? As famílias desses doentes, quase sempre gente desajustada em todos os sentidos da vida... Elas estão preparadas para receber essas pessoas?

Eu gostaria de ver debates, também nessa direção, mas ainda não começaram. Tenho visto reuniões, mas como diria o ex-prefeito de Rio Bonito, Alcebíades Moraes Filho, o Bidinho, “quando você não quer resolver uma questão, marque uma reunião”. É o que, a meu ver, está acontecendo!

Um comentário:

  1. Oi Flavio, o poder publico não está errado em socializar esses pacientes, mas eles vão dar suporte que faltar, uma assistencialização a familia? ao meu ver quem não tem condições de pagar um clinica para seus filhos, estes vão ficar na responsabilidade detoda familia e nenhuma do governo! o governo siplismente está lavando as maos, pois eles tem dinheiro para tudo, inclusive para tratar os filhos deles em clinicas excelentes, caso venha a ter algum dos seus familiares que precise de cuidados especiais.

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