Por Dawson Nascimento
Dawson Nascimento |
O Tribunal do Santo Ofício,
instituição, criada nos fins da Idade Média, tinha por função combater qualquer
tipo de manifestação que representasse uma ameaça contra a hegemonia dogmática católica.
Em 1591, o clérigo, Heitor Furtado Mendonça, foi o primeiro a estabelecer essas
visitações que investigavam os casos de heresia ocorridos no Brasil.
As denúncias pelas práticas heréticas
surgiam das mais variadas formas. Qualquer delação sem provas ou dedução
precipitada bastava para que as autoridades retirassem o acusado de seu lar
para responder ao processo. No momento em que chegava a uma localidade, para
facilitar o acesso aos suspeitos, o inquisidor anunciava nas praças e igrejas
os tais “editos de fé”, que era uma espécie de documento oficial onde o clérigo
declarava os pecados que poderiam ser denunciados, segundo o mestre em
História, Rainer de Souza.
Após ser preso pelas autoridades, o
acusado passava por uma série de torturas que tinham como principal função
obter a confissão do herege. Uma das punições mais comuns utilizadas era cortar
a planta dos pés do acusado e, depois de untá-los com manteiga, expor as
feridas em um braseiro. Contudo, antes que uma sessão de tortura fosse iniciada,
um médico realizava uma avaliação prévia para que as limitações físicas do
indivíduo fossem levadas em conta.
Somente quando alguém não confessava
os pecados denunciados é que a morte na fogueira era utilizada. Sendo um
instrumento de forte natureza coercitiva, os membros do Tribunal da Inquisição
acreditavam que a humilhação pública era um instrumento de combate bem mais
eficiente que a morte. A grande maioria das perseguições do Santo Ofício
ocorreu na segunda metade do século XVIII. Ao todo, cerca de 500 pessoas foram
denunciadas no Brasil, sendo a maioria acusada de disseminar o judaísmo.
Quem poderia imaginar que bem perto de
nós, aqui do lado, no município de Tanguá, houvesse uma ação da Inquisição? O
palco desse acontecimento foi a capela de Nossa Senhora da Soledade, edificada
no final do século XVII, nas terras do engenho dos Duques, de propriedade da
família Duque Estrada, cujo patriarca foi o Alferes Henrique Duque Estrada, ali
estabelecido desde 1651, segundo os registros da Igreja de Santo Antônio de
Casserebú (Santo Antônio de Sá).
Alguém pode estar se perguntando: “mas
Tanguá tem menos de 20 anos de emancipação político e administrativo... como
pode?” Com certeza isso é verdade, mas a sua história é bem mais antiga do que
parece. Segundo os apontamentos arrolados no livro de tombo dos Jesuítas, a
região que compreende o município de Tanguá no século XVI se chamava Tapacurá.
O nome se deriva de uma das tribos de
índios que habitavam a região. Também era o nome da Serra que hoje se chama
Barbosão, como se pode observar nas antigas cartografias do estado. Tapacurá
também era uma liga, atadura, que os indígenas, especialmente as mulheres,
utilizam amarrada abaixo do joelho, para lhes preservar das câimbras e lhes dar
resistência para as longas caminhadas. Tanguá ou Tapacurá era, nessa época, Distrito
da Freguesia de Itaboraí e Santo Antônio de Sá. Esse processo se encontra na
Torre do Tombo (Arquivo Nacional).
Esta capela fica situada na
confluência dos rios, Mutuapira (atual Duques) e Cacerebú. O ato ocorreu no
decorrer ano de 1784 e o processo se estendeu até o ano de 1786, sendo o réu,
João Nunes da Rosa, de 64 anos, administrador da dita capela de Nossa Senhora
da Soledade. Ele foi acusado por várias testemunhas por heresia, blasfêmia,
entre outras acusações, por desdenhar dos atos litúrgicos, dos sacerdotes, e
das imagens da capela acima citada.
O volume de papéis do processo tem
perto de 43 folhas, vamos citar só alguns trechos, pois seria enfadonha e
desnecessária toda reprodução. Alguns textos estão transcritos na forma como se
encontra e com a grafia original da época (CÓDIGO DE REFERÊNCIA
PT/TT/TSO-IL/028/05635).
DATAS DE PRODUÇÃO 1784-05-14 a
1786-03-20 DIMENSÃO E SUPORTE 48 fl.;
Papel Folhas de nº 1, Processo contra
João Nunes da Rosa administrador da Capela de NS da Soledade de Tapacurá do
Bispado do Rio de Janeiro. Preso em 20 de Maio de 1785.
Folhas de nº 2, Sumário contra João
Nunes da Rosa, administrador da capela de NS da Soledade de Tapacurá, Bispado
do Rio de Janeiro. Preso em 20 de Maio de 1785.
Folhas de nº 3, os Inquisidores
apostólicos contra a herética pravidade e apostasia nesta cidade de Lisboa e
seu distrito, e c. mandamos a qualquer Familiar ou Official do santo Officio,
que onde quer que for achado João Nunes da Rosa, morador da Freguesia de São
João de Itaboraí, administrador da capela de NS da Soledade do distrito de
Tapacurá, o prendais sem sequestro de bens. Por culpa que contra ele há nesse
Santo Ofício. Obrigatórias a prisão e preso a bom recado, com cama e mais fato
necessário a seu uso, e até sessenta mil réis em dinheiro para seus alimentos,
e o trareis entregareis debaixo de chaves ao Alcaide dos cárceres secretos
dessa Inquisição. E mandamos em virtude de Santa Obediência, e sob pena de
excomunhão Maior e de quinhentos cruzados para as despesas do Santo Offício, e
de procerder- mos como mais nos parecer, a todas as pessoas, assim
eclesiásticas como seculares de qualquer grau, dignidade, condição e
preheminencia que sejam, vos não impidão fazer o sobredito, antes sendo por vos
requeridos, vos deem todo favor e ajuda; mantimentos, pousadas, camas, ferros, cadeias,
cavalgaduras, barcos e tudo o mais que for necessário, pelo preço e estado da
terra. Cumprindo assim com muita cautela e segredo, e não façais. Dado em
Lisboa ocidental nos Santos Ofícios da Inquisição sob os nossos sinais, e selos
dela, Aos 14 do mês de Maio de 1784 anos Clemente José da Cunha o sobreescreví.
Antônio Veríssimo-Alexandre Jansem-Antônio Homem Frigoso.
Folhas de Nº 4 Auto de entrega. Aos 22
dias do mês de Maio de 1785, em Lisboa, e porta dos carceres secretos desta
Inquisição, ali foi entregue ao Alcaide do mesmo, José dos Santos Pereira, pelo
familiar Antônio Lobo de Saldanha o preso João Nunes da Rosa, viúvo de Josefa
da Assumpção, natural da freguesia de São João de Itaboraí, freguesia de Santo
Antônio de Sá, destrito do Bispado do Rio de Janeiro donde veio preso na Nau NS
de Belém, de que é Capitão Jorge Mardearte, e sendo buscado na forma do
regimento, se lhe achou em dinheiro cincoenta e um mil e quinhentos e dez réis
e um espadim de prata, e de como o dito Alcaide se deu por entregue o dito
preso, assinou este termo Antônio Gomes escreví.
Vamos pular para a folha de Nº 11,
onde temos mais “culpa” contra o réu João Nunes da Rosa.
Do mesmo processo de Gracia, escrava
de Manoel da Costa e sumária de testemunhas a que procedeu o dito comissário
Vicente Pereira de Noronha Consta haver deposto debaixo do juramento dos santos
Evangelhos por ocasião do mesmo interrogatório e em o mesmo dia, mês e anno,
Ignácio de Souza Mattos, solteiro, natural da Vila de Macacú e morador na
freguesia de São João de Itaboraí, de idade de sessenta e quatro anos o
seguinte:
Ao segundo dia que ele só sabe pelo
pronunciar, que João Nunes da Rosa, homem viúvo e morador no distrito de
Tapacurá, no lugar chamado Tangoá, que serve de administrador da capela de NS
da Soledade, hé homem blasfemo, e pouco temente a Deos, que quando vê muita
chuva costuma dizer que é demônio que ha dá, e quando vê muito sol costuma
dizer as mesmas palavras, sendo reprehendido por ele testemunha dizendo-lhe que
tanto o sol como a chuva erão obras de Deus, o dito João Nunes da Rosa
mofadisso, negando inteiramente a providência de Deus, e que o mesmo João Nunes
da Rosa se sente muito mal do santo sacrifício da missa, dizendo ser invenções
dos clérigos e padres para ganhar dinheiro, que se alguma pessoa quer mandar
dizer alguma missa a Nossa Senhora, respondeo o dito delato que Nossa Senhora
não necessita de missas, que e tal mal ao estado sacerdotal e que costuma a
dizer estas palavras que clérigos frades se curam a chicote. Entre essas e
muitas outras acusações que as testemunhas declararam contra João Nunes da
Rosa.
O fato final, segundo os documentos é que o João Nunes da Rosa, conseguiu se safar da morte. Um ano depois de preso em 20 de Maio de 1785, foi solto em 16 de Março de 1786, depois de ser repreendido na Mesa Examinadora do Santo Ofício foi posto em Liberdade depois de pagar as custas.
O fato final, segundo os documentos é que o João Nunes da Rosa, conseguiu se safar da morte. Um ano depois de preso em 20 de Maio de 1785, foi solto em 16 de Março de 1786, depois de ser repreendido na Mesa Examinadora do Santo Ofício foi posto em Liberdade depois de pagar as custas.
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