Flávio Azevedo
A Intervenção Federal na Segurança Pública no Estado do Rio de Janeiro, anunciada nessa sexta-feira (16/02), está gerando debates, questionamentos, recebe críticas, recebe apoios, gera reportagens, provoca opiniões odiosas e justificativas permissivas. No frigir dos ovos, pouco se fala do nascedouro da violência no território fluminense, onde a corrupção se agrava por conta de uma postura natural ao carioca. Um jeito de ser que em vez de ser combatido se foi absolvido como marca da nossa gente. Há quem ache engraçado e até exalte a malandragem em músicas e versos, sem perceber que esse espírito “Pedro Malasartes” que carregamos acabou forjando depois de anos de prática, uma geração que independente de formação acadêmica e/ou classe social, não valoriza o trabalho e busca crescer sem precisar fazer esforço.
Dedos em riste apontando políticos e policiais tentam depositar na conta dos representantes desses setores, a culpa de um problema que da sociedade. Se a corrupção é uma chaga brasileira, ela se agrava no Rio de Janeiro por conta da clássica malandragem. O costume de enxergar somente o problema do outro impede que enxerguemos a nossa culpa. E quem discorda do termo “nossa culpa”, por se acharem fora do problema, esses são os mais culpados. Ninguém está de fora! É um mal coletivo e a única diferença é quem está mais ou menos atolado nesse lodaçal de irresponsabilidade, egoísmo, falência do senso de coletividade e espírito público.
Antes de apontarmos para o fato de que as principais lideranças políticas do Rio de Janeiro estão encarceradas; antes de mirarmos o fato de que vários políticos que, hoje, estão soltos em breve serão presos; antes de apontarmos para a prisão de todos os conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (apenas um não estava envolvido); antes de destacarmos que os principais empresários do Rio foram ou estão presos; antes de frisarmos que boa parte do Judiciário fluminense tem comprometimentos importantes com o crime organizado, milícias e são responsáveis por manter gente corrupta no poder; creio que é bom olharmos um pouco para o nosso próprio umbigo. Ao fazer isso, certamente perceberemos que os elementos acima citados cometeram ilícitos por conta da corrupção e também da malandragem.
Não devolver o troco que veio a mais; colocar três pedaços de carne no prato, quando o restaurante orienta pegar apenas dois; sonegar impostos sob o argumento de que os políticos roubam e os serviços não nos são oferecidos na proporção do que nos é cobrado de impostos; não oferecer o lugar para os mais cansados e idosos no transporte público; charlatanismo; o som alto na frente da casa dos outros; a fruta colhida no pomar alheio; dirigir embriagado sem dar importância às possíveis e fatais consequências; não devolver o dinheiro que tomamos emprestado; o material de construção pego na obra dos outros sem a devida comunicação e devolução; transitar pelo acostamento; a naturalidade que se enxerga a corrupção nas administrações públicas, quando se é beneficiado pela referida administração; não respeitar o cônjuge do outro; e não nos esqueçamos, do emblemático voto vendido, às vezes, a mais de um candidato. Quem de nós nunca cometeu um desses pecados – ou até mais de um – que atire a primeira pedra.
Todas essas práticas são presentes em nosso do dia-a-dia e não estão fincadas somente na corrupção. A verdade é que essas práticas são irrigadas pela malandragem, um estilo carioca de ser que fazemos questão apresentar ao mundo como uma marca só nossa. Em cem anos de malandragem, ninguém parou para refletir que futuro esse comportamento torpe nos reservaria. Quem ousou pensar nisso, foi impelido a ficar calado, “porque não adianta nada falar” ou porque “você vai acabar queimando seu filme e/ou perdendo amigos”, geralmente trambiqueiros.
O garoto que não deseja trabalhar e ter patrão... Vende droga e rouba, porque é “um bom malandro”. Ele cresceu ouvindo reclamações e lamúrias de que trabalho é coisa gente ferrada e que só se deu bem na vida o sujeito que mentiu, falsificou, transgrediu, ludibriou e traficou. E quem deu esse ensinamento menciona até exemplos de bobos (trabalhadores) e espertos (malandro). O policial e o político que se corrompem comumente começam suas carreiras pensando em fazer o certo. Todavia, eles acabam “rindo da honra”, ficando com “vergonha de serem honestos” e são levados a assimilar que estão inseridos num lupanar de oportunidades onde boa parte dos seus pares se prostitui e sempre se dão bem.
Aqui eu termino com a fala do fictício tenente coronel, Nascimento; personagem de Tropa de Elite (o segundo filme). Há cerca de 10 anos, o drama da Segurança Pública no Rio de Janeiro estava expostos nos cinemas. O filme termina com a voz de Nascimento dizendo o seguinte: “O sistema entrega a mão para salvar o braço... O sistema se reorganiza, articula novos interesses... Cria novas lideranças. Enquanto as condições de existência do sistema estiverem aí, ele vai resistir! Agora me responde uma coisa: quem você acha que sustenta tudo isso? É... E custa caro... Muito caro! O sistema é muito maior do que eu pensava! Não é a toa que os traficantes, os policiais, os milicianos matam tanta gente nas favelas! Não é a toa que existem as favelas! Não é a toa que acontece tanto escândalo em Brasília, que entra governo e sai governo e a corrupção continua... Para mudar as coisas... Vai demorar muito tempo. O sistema é foda! Ainda vai morrer muito inocente!”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário