Flávio Azevedo
No último dia 18 de abril eu as vi
pela última vez. As mãos de Francisco, meu pai, que depois de lutar contra
tumores no fígado, por quase um ano, foi vencido pela gravidade da doença e nos
deixou de forma prematura. Aquelas mãos, que tinham
algumas pintas, coisa natural a nossa família, juntamente com todo aquele corpo
forte e sadio fizeram história e escreveram muitas histórias, algumas delas
imortalizadas nos livros, “Retalhos da Vida” e “Histórias e Lendas em Foco”,
obras que mantém vivo o seu talento.
Eu era bem
pequeno quando conheci aquelas mãos. Lembro que ainda muito menino, o telhado
da nossa casa, feito de telhas francesas, sempre que chovia apresentava algumas
goteiras. Papai, com aquelas mãos vigorosas, empunhava algumas ferramentas e
como o “Homem Aranha”, ele escalava as paredes até chegar ao telhado e resolver
o problema.
Lembro-me
daquelas mãos fortes me levantando, me colocando no colo e, posteriormente, me
ajeitando no cangote, onde eu viajava de primeira classe pela Serra do Sambê.
As mesmas mãos guiavam o carrinho de mão que seguia cheio de alguma coisa até
algum lugar, para retornar com dois ilustres passageiros: meu irmão e eu (isso
era sempre).
Mãos que
também me davam algumas palmadas e merecidos puxões de orelha (eles sempre eram
precisos). Papai tocava um sítio, na Serra do Sambê, onde cultivava bananeiras.
No fim do dia aquelas mãos estavam cobertas de nódoas de banana. Ele,
calmamente, usava limão e areia para esfoliar as mãos, que em alguns minutos
estavam ‘rosadas’ como se ele estivesse chegado do escritório.
Aquelas
mãos fizeram carinho nos filhos, acariciaram Dona Selma (minha mãe)... Eu vi as
mãos do meu pai empunhando toda sorte de instrumentos musicais, sendo que elas
demonstravam maior desenvoltura ao tocar violão, guitarra e o afamado bandolim.
Ele manuseava qualquer tipo de ferramenta, sobretudo aquelas destinadas ao
serviço braçal. Contudo, aquelas mãos fortes e firmes, também construíam obras
artesanais e miniaturas admiráveis.
As mãos de
Francisco também sabiam trabalhar na cozinha. E que tempero! Que combinações!
Que sabor elas conseguiam dar aos alimentos que preparava. Aquelas mãos rijas
também se fechavam quando o pai estava indignado e percebia ser preciso
defender e proteger os filhos, a família. Aquelas mãos pareciam a do
"Tarzan", por vezes, eu achava que elas eram do "Fantasma",
mas nunca as vi com o tradicional anel da caveira, que é usado pelo tal
personagem dos quadrinhos.
Pilotando
uma bicicleta (eu geralmente estava na garupa), um carro, cavalgando, empinando
pipa, moendo cana, varrendo o quintal, cuidando das plantas, preparando
remédios caseiros para nós... As mãos de Francisco faziam inúmeras atividades.
Elas também construíram casas, ergueram muros, quebraram pedras, abriram
fundações, prestaram socorro... E nos últimos dias aquelas mãos acariciavam o
seu rosto macilento, nos momentos de fadiga, desanimo, enfado, dor, desconforto
e cansaço, sintomas de que a doença, aos poucos, roubava-lhe a vida.
Concluo
esse texto chorando. Mas o coração dolorido confia e tem esperança de que um
dia eu reencontrarei o meu pai. Essa fé, porém, só é possível, pelo que mais vi
as mãos de Francisco fazer: folhear a Bíblia, livro que papai estudava
diligentemente. Além de pesquisar o livro sagrado, os ensinamentos adquiridos
ali eram transmitidos aos filhos e a todos. As mãos de Francisco, que eu vi
sobrepostas pela última vez no dia 18 de abril; e que eu segurei entre as
minhas nos últimos momentos de sua vida, certamente, num futuro, que julgo não
estar muito distante, estarão abertas e vivas para receber Jesus, quando este
voltar a esse mundo para resolver sérios problemas, entre eles, a morte.
Nessa
ocasião, eu espero que o meu pai seja ressuscitado para receber Jesus. Ele terá
um corpo renovado e sadio! É nesse contexto que eu espero ser abraçado e
cumprimentado por aquelas mãos que voltarão a ser firmes e vigorosas, mas,
agora, eternamente! Amém!
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