quinta-feira, 11 de abril de 2013

As mentiras e os boatos matam


Flávio Azevedo

O livro “Retalhos da Vida” (2011), do escritor riobonitense Francisco Azevedo, contém uma estória que ouço desde criança: “A Caveira e a Língua”. Segundo o escritor, não se conhece o autor dessa alegoria. Entretanto, sobretudo nessa segunda semana de abril (2013), quando a cidade de Rio Bonito está sendo sacudida por boatos a respeito do sequestro de crianças e tráfico de órgãos (nada confirmado pela Polícia), penso que vale muito à pena refletir sobre esse relato que ouço desde a minha primeira infância.

A alegoria começa dizendo que num reino da antiga Europa, um indivíduo ao passear por uma floresta encontrou uma caveira. Era um esqueleto humano, que estava recostado em uma árvore. Muito curioso, ele se aproximou para observar os detalhes e ao mesmo tempo, imaginando quem teria sido o assassino daquele pobre coitado. Ele sabia muito bem que caveiras não falam, mas de brincadeira perguntou: “caveira, quem te matou?”. Por incrível que pareça, a caveira falou e com uma risadinha abafada, respondeu: “hehehe, quem me matou foi a língua!”.

O cidadão levou um baita susto. E, com as pernas bambas foi direto para a cidade contar o acontecido. Diante do rei, ainda tremulo, ele relatou toda a história e jurou que a caveira havia falado. O monarca, homem muito severo, do tipo que não aprecia anedotas e piadas, não acreditou, mas como o rapaz parecia muito sincero e convicto, ele resolveu mandar investigar. Chamou dois soldados e lhes ordenou: “acompanhem este homem e interroguem essa tal caveira. Se ela não falar, matem-no na mesma hora, pois não suporto mentirosos!”.

 Chegando ao local, o homem muito confiante perguntou: “caveira quem te matou?”. E, ela nada respondeu. Ele insistiu várias vezes, mas o monte de ossos permaneceu mudo. Agora, vendo se aproximar o seu triste destino, ele chorava desesperado! E repetia a mesma pergunta, mas as suas lágrimas foram vãs e os seus rogos se perderam na imensidão da floresta. Os inclementes soldados cumpriram a ordem do rei e mataram o homem a espada.

Quando o pobre infeliz exalou o último suspiro, os soldados ficaram estarrecidos... Eles ouviram a caveira rir “hehehe” e em seguida falar: “quem me matou foi a língua!”. Um dos soldados apavorou-se e já ia saindo correndo para contar ao rei que a caveira falou, mas o seu colega, o impediu, dizendo: “está louco? O rei manda investigar, essa caveira malandra não fala novamente e nós perderemos nossas vidas! Portanto, guarde a sua língua e não conte nada a ninguém”.

Apesar de enfurecidos com a caveira e com pena do morto, ao chegarem ao palácio os soldados disseram ao rei que a caveira não falou e haviam matado o homem. “Muito bem!”, disse o rei.

Prezado amigo, aquela caveira foi alguém que perdeu a vida porque falou demais. O homem da estória também perdeu a vida, e com a imerecida fama de mentiroso, porque contou o que ouviu. Os dois soldados, apesar de mentirosos se salvaram, porque guardaram as suas línguas. Essa vida, meu amigo, é difícil e complicada. Muitas vezes em uma demanda, você tem razão, mas por falar e clamar em defesa dos seus direitos, você acaba sendo considerado um errado! E aquele que não tem razão, como ficou calado é visto como certo. Ainda bem, que diante de Deus, não é assim.

Preste atenção no seguinte versinho:

Dois olhos, duas orelhas
Só a boca não tem par,
Quer dizer que é mais prudente
Ver e ouvir, do que falar!

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