terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Projeto “Lona na Lua” visita a Serra do Sambê

Flávio Azevedo

Os integrantes do projeto “Lona na Lua” invadiram a Serra do Sambê na tarde do último dia oito de janeiro com muita música, alegria, animação, exposição de fotografias, dança, descontração e teatro. Também aconteceu a apresentação da tradicional Roda de Capoeira, com o Grupo Raízes de Aruanda. O evento, que foi oferecido pela Secretaria Estadual de Cultura, aconteceu no Ginásio Poliesportivo do bairro, que recebeu um excelente público de todas as idades.

As atividades começaram por volta das 14h, com o espetáculo “O Casamento de Dona Baratinha”, com a dupla de atores Dirceu Michalski e Camila Triches. Embora a classificação fosse infantil, os adultos se divertiram e interagiram com os personagens, sobretudo D. Baratinha que sempre descia do palco, caminhava entre a platéia, numa postura que agradou quem assistiu. O folclórico Barnabé, morador do bairro, foi um espetáculo a parte.

Na sequência, durante cerca de 30minutos, a atração foi o Grupo de Capoeira Raízes de Aruanda. Liderados pelo capoeirista Faísca, eles apresentaram, além da tradicional Roda de Capoeira, uma Roda de Samba e a dança Maculelê, que utiliza a Grima (bastão), uma arma tribal africana que junto com os cantos da Capoeira e os atabaques dão uma beleza maior ao espetáculo da Capoeira.

Mostrando ser um evento cultural que abraça, sem distinção, todas as manifestações que estão inseridas na Cultura Brasileira, classificada pela Antropologia que estuda o Brasil, como “uma “Colcha de Retalhos”, o Grupo de Dança Lona na Lua deu sequência com os espetáculos “Dança Contemporânea” e “Os Incríveis Anos 60”. A música continuou sendo a grande atração. Dessa vez, porém, Larissa Moraes (voz e violão), apresentou “Cantigas de Roda”, com melodias que embalaram crianças e adultos.

A apresentação mais esperada, porém, era o espetáculo “Quem Casa Quer Casa”, que foi sucesso de público no Espaço Cultural Lona na Lua, no mês de dezembro; e no Grande Festival Martins Pena de Teatro Amador, que aconteceu em novembro, na Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema, no Rio de Janeiro. A apresentação foi classificada como uma das melhores do festival e recebeu inúmeros elogios da crítica de teatro, Alessandra Vannucci.

Do repertório de Martins Pena e adaptado por Zeca Novais, “Quem Casa Quer Casa” conta a história de uma família que tem a liderança da matriarca Dona Biana, um mulher que tem dois filhos tresloucados (Sabino e Olaia), uma nora mandona (Paulina) e um genro que pensa ser músico (Eduardo). Junto a tudo isso, um mordomo (Seu Coisinha) dedicado e esperto que dá o tempero necessário a essa comédia de costumes, que ainda conta com a participação do aplaudidíssimo Zé Cocô, que tem a interpretação de Rodolfo Freitas, que é morador da Serra do Sambê.

A crítica de Alessandra Vannucci

Para quem não teve a oportunidade de ler a crítica de Alessandra Vannucci, reproduzimos na íntegra o texto escrito por ela sobre o espetáculo “Quem Casa Quer Casa”, apresentado no Grande Festival Martins Pena de Teatro Amador.

“O teatro é, no Brasil, quase em sua totalidade teatro cômico: fenômeno de grande entretenimento, mesmo quando eivado de sátira. Neste âmbito, representativo da história dos hábitos de consumo teatral mais genuinamente brasileiros, a comédia de costume ocupa não somente o rol de fonte documental como de veiculo comunicativo ainda fluido e vivo entre palco e platéia. E jamais ele esteve mais vivo do que na obra de seu criador Martins Pena (1815-1848).

Do ponto de vista do individuo branco português que se integra à vida da colônia, Martins Pena faz a crônica das situações mais ordinárias e “reais” da cidade, inventando um seu estilo lúdico e original na descrição paritária das relações humanas, mesmo que na vigência da escravidão. Seus personagens são figuras típicas, quase farsescas; indivíduos nem bons nem maus, vistos à luz da razão; graciosas silhuetas com pouca consciência moral que, mesmo quando reivindicam os seus direitos, não perdem uma boa piada. Assim, mesmo sendo “realista”, Martins Pena faz da realidade um mero pretexto para o seu fazer teatral e baliza a noção de arte como jogo.

Uma postura que repercute e justifica plenamente os seus interpretes do Grupo Lona na Lua, cujo êxito feliz parece ser proporcional à qualidade de interação com o inesperado em cena. Desde a brilhante abertura de Quem casa quer casa, o grupo estabelece uma convenção ousada de jogo cênico, embasada na criação de imagens ao mesmo tempo solenes e engraçadas e na fala simultânea dos personagens, que tecem um “tapete” sonoro re-significado pelo som dinâmico da banda rock ao vivo.

O ritmo e o domínio de palco do grupo se estabelecem a partir desta ousadia de “inventar” o seu próprio teatro. Com ótima liberdade, temperada por uma evidente disciplina física e vocal, os atores lidam com suas partituras, quanto mais extravagantes e diversas, tanto mais orgânicas. Fartos detalhes vocais e gestuais, complexas máscaras físicas e faciais compõem personagens tão poderosamente teatrais quanto críveis e “sinceros”, ou seja dotados de uma sinceridade construída não de fora para dentro mas sim, de dentro para fora, seguindo uma intima regra de jogo em que o ator se arrisca e joga, em primeiro lugar, consigo mesmo. Mas não só.

A peça esbanja cumplicidade entre companheiros de cena – cada encontro proporcionando um duelo entre ritmos diferentes em crescendo, até o clímax de histéricas orgias sonoras e imagéticas – sublinhada por jogos (como o das cadeiras, par ou impar, boxe em câmara lenta) que, mesmo marcados, parecem estar sendo jogados “de verdade”. Diríamos que, para além da felicidade das marcas, inclusive de interação musical-cômica entre banda e interpretes, a eficiência dos atores è devida ao fato que eles mantém certa abertura ao jogo, mesmo dentro de uma partitura “marcada” e, assim, são capazes de surpreender-se, ao passo que pegam o publico sempre de surpresa.

O diálogo com a platéia é dos mais felizes. O riso quase ininterrupto dos espectadores não compromete uma reflexão mais profunda, mas também não é um amalgama homogêneo; ao contrário parece afirmar a reação de cada individualidade diante das vivíssimas frustrações, raivas, birras, terrores e desejos dos personagens.

Com o típico exagero romântico ibero-americano que, em seu fanático europeísmo, não conseguia controlar sua ânsia de se comparar, mais cedo ou mais tarde, à capital cultural do continente-modelo, Martins Pena foi definido o “Molière brasileiro”. Crédito improcedente. Seus ambientes urbanos, familiares, de contrastes miúdos entre mentalidades sociais ou entre gerações, com seu pitoresco intercalar de vernáculos e sua espontaneidade, não poderiam ter sido gerados se não no Rio de Janeiro. Suas comédias se tornam cada vez mais eficientes quanto mais se distanciam do modelo francês e mergulham no contexto familiar. Por isso, esta adaptação “carioca”, mesmo quando se permite amplas licenças cômicas e traições à letra, mantém uma fidelidade ao espírito que garante da vitalidade não esterilizada e da “cor” não desbotada deste clássico carioquíssimo, duzentos anos mais tarde, à prova do palco”.

O link da crítica de Vannucci:
http://novascenas2011.wordpress.com/2011/11/26/quem-casa-quer-casa-por-alessandra-vannucci/#comment-2

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