Por Flávio Azevedo - Reflexões
Uma da mentes mais brilhantes do Brasil, o antropólogo Roberto Da Matta (foto) é uma figura que tem conceitos admiráveis sobre o nosso país e seu povo. Conheci as suas reflexões quando cheguei à universidade. O meu primeiro contato com ele foi através do livro “O que faz o brasil, Brasil?”, obra que, em minha opinião, deveria ser lida por todo brasileiro. Para tentar nos entender, ele viveu com índios, mas também analisou as aldeias dos homens brancos, ou seja, as cidades, de onde tirou conceitos que quando lemos deveríamos ficar com vergonha.
Recentemente, ele foi convidado pelo governo do Espírito Santo para coordenar uma pesquisa sobre educação no trânsito. O antropólogo saiu da experiência com um novo livro. A obra, que também deveria ser indispensável a todo brasileiro, recebeu o título de “Fé em Deus e pé na tábua: como e por que você enlouquece dirigindo no Brasil”. O livro foi lançado pela editora Rocco, no último mês de outubro.
Para tentar compreender a epidemia de 40 mil mortes que acontecem anualmente no trânsito brasileiro, o antropólogo foi até as raízes sociais do país. Ele concluiu que o nosso terrível comportamento nas ruas é fruto de uma sociedade que além de ainda não ter aprendido ser igualitária, não conseguiu se libertar de seus traços aristocráticos. “O trânsito reproduz valores de uma sociedade onde alguns podem mais que muitos”.
– Você olha para os lados e só vê uma pessoa em cada carro. É um absurdo! Vivemos esse delírio de que ser dono de um carro é o coroamento do sucesso individual. No fundo, estamos retomando a ideia do nobre carregado por escravos numa cadeirinha, como acontecia no Brasil colonial – afirma o antropólogo.
Em entrevista a Revista Trip, em setembro de 2009, Roberto Da Matta, que já escreveu sobre carnaval, futebol e jogo do bicho, disse que começou a refletir sobre o trânsito quando estudou em Harvard, em 1963. Como acontece com todo brasileiro que visita países de primeiro mundo, ele também ficou fascinado quando descobriu que cada vez que ele colocava o pé na faixa de pedestres, os carros paravam. “As pessoas precisam parar de falar de economia e olhar o trânsito para entender o comportamento de qualquer país, sobretudo o Brasil”, frisou Da Matta na entrevista que concedeu ao jornalista Ricardo Calil.
O ditado popular “fé em Deus e pé na tábua”, que dá nome ao livro, segundo o antropólogo, revela muito do estilo que nós, brasileiros, expressamos no trânsito. “Temos a crença de que somos protegidos por uma força superior, que nada vai nos acontecer de mal. E, se acontecer, existe uma vida após a morte”, destaca.
– Temos também o nosso lado moderno, amante da pressa e de correr riscos. Até as nossas músicas populares legitimam a nossa irresponsabilidade ao dirigir. Veja, por exemplo, o que escreveram Roberto e Erasmo, na música “As curvas da estrada de Santos”: “Eu sou terrível”, “120... 150... 200 km por hora”, que invocam o risco e a aceleração como partes de uma conquista amorosa – analisou.
Na novela "Insensato Coração" a atriz Natália do Valle interpreta uma mãe que protege o filho mau caráter, vivido pelo ator Gabriel Braga Nunes
Estudando o comportamento dos motoristas, Da Matta percebeu que o nosso comportamento no trânsito reproduz valores de uma sociedade que ainda está atrelada a um passado aristocrático e anacrônico. “Em casa, nos ensinam que somos únicos, especiais. Aprendemos que as nossas vontades sempre são atendidas. Tudo é possível por meio da mamãe (foto acima). Esse indivíduo vai para a rua sem entender que naquele espaço todos são juridicamente iguais”.
– É doentio, desumano e vergonhoso, notar que 40 mil pessoas morrem por ano no trânsito de um país que se diz cordial, hospitaleiro e carnavalesco. No Brasil, porém, você se sente superior ao pedestre porque tem um carro. Ou superior a outro motorista porque tem um carro mais moderno ou mais caro – pondera.
O antropólogo revelou descobertas que fez conversando com motoristas de Vitória/ES, mas fica muito nítido que o pensamento do motorista capixaba é compartilhado por 99,9% dos brasileiros.
– A maioria dizia: “Eu bebi, eu sei beber e consigo dirigir assim”. E se outro tiver bebido? “Aí não, né?” Ou seja, o bêbado, o barbeiro, é sempre o outro. O motorista não consegue entender que ele não é diferente de outro motorista ou do pedestre. Esquece que ele não tem um salvo-conduto para transgredir as leis – disse.
Nesse ponto, Da Matta faz um comentário revelador, verdadeiro e que deveria nos deixar cheios de vergonha: “no Brasil, obedecer à lei é visto como uma babaquice, um sintoma de inferioridade”. Ele acredita que esse comportamento é herança de uma sociedade aristocrática e patrimonialista, onde ainda impera o “Você sabe com quem está falando?”.
Questionado sobre quais seriam as soluções para esse nosso comportamento bárbaro, egoísta e infantil, ele diz que deveria se falar mais de igualdade. “O nosso lema sempre foi “os incomodados que se mudem”, mas precisamos mudar isso. Não adianta ter um Código de Trânsito melhor que o sueco, ter tecnologia americana e bulevares franceses, se não temos suecos, americanos e franceses para honrá-los e segui-los. O motorista é brasileiro e não obedece às leis”, concluiu.
Depois das incontestáveis reflexões de Roberto Da Matta, nós iremos dizer mais o que?
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
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O egoísmo que existe no trânsito é o mesmo que impera na política! Uma lida na matéria que antecede esta reflexão deixa muito claro o espírito infantil e perverso que domina a política e o trânsito do nosso país. Vamos repetir: é comum encontrarmos pessoas falando de renovação, mas ela tem que vir de dentro de cada um de nós! Se isso não acontecer com urgência, o nosso futuro se desenha sombrio!
ResponderExcluirNa posse da presidente Dilma ela se refere ao Pré-sal como o futuro do pais.Eu tenho certeza que o futuro do pais está na EDUCAÇÃO.
ResponderExcluir"Não há nada que resista a boa educação;à força dela até se consegue fazer que os ursos dancem"Helvêcio