Flávio Azevedo
Astrojildo Pereira, a "Estrela Vermelha de Rio Bonito". |
Os meses de outubro e novembro deveriam ter uma significação maior para o povo riobonitense. Fazemos essa afirmativa porque nesses meses surge e desaparece a “Estrela Vermelha de Rio Bonito”. Estamos falando de Astrojildo Pereira Duarte Silva, conhecido como Astrojildo Pereira, ou simplesmente “Jildo”, como era chamado pelos amigos. Ele nasceu em Rio dos Índios, em Rio Bonito/RJ, no dia 8 de outubro, de 1890 e faleceu no Rio de Janeiro, em 20 de novembro de 1965. Foi escritor, jornalísta, crítico literário e político, sendo o fundador, em 1922, do Partido Comunista do Brasil, à época, Partido Comunista Brasileiro.
Era filho de Ramiro Pereira Duarte Silva e Isabel Neves da Silva. Descendente de portugueses, o seu pai, chamado coronel Ramiro, foi médico, político combativo, comerciante de bananas, fazendeiro e proprietário de uma pequena indústria, sempre atuando em Rio Bonito e Niterói. A situação abastada da família permitiu que a “Estrela Vermelha de Rio Bonito” estudasse em boas escolas da região. Assim, em 1903, com apenas 13 anos, ele foi para o Colégio Anchieta, educandário de orientação religiosa jesuítica, em Nova Friburgo. Pensou em converter-se, mas acabou por se afastar da religião.
Nesse tempo ele já estudava no Colégio Abílio, em Niterói, iniciando os seus passos na literatura, com a participação, ainda em tenra idade, de grupos culturais, onde demonstrava os seus pendores para as letras, principalmente as poéticas. No terceiro ano colegial, abandona os estudos e passa a devorar os autores clássicos, como Euclides da Cunha, Raul Pompéia, Graça Aranha e Machado de Assis. Mais tarde, em depoimento, diz não ter sofrido influência destes escritores.
No ano de 1908, Machado de Assis agonizava. A “Estrela Vermelha de Rio Bonito”, ainda um jovem desconhecido, visita o célebre escritor, no Cosme Velho e lhe beija a mão. Este gesto é relatado por Euclides da Cunha que, com outros célebres, presenciaram o gesto. A confirmação de quem era o menino foi feito por Heitor Ferreira Lima e, só na década de 1940 é que o próprio Astrojildo permitiu a divulgação do ocorrido, através da biógrafa de Machado de Assis, a escritora Lúcia Miguel Pereira.
Em 1910, como entusiasta da Campanha Civilista, participa de comícios, passeatas e atos públicos em favor da campanha de Rui Barbosa à Presidência da República. Abalado com esta decepção política – a derrota do Águia de Haia em sua pretensão e o insucesso da Revolta da Chibata – e pela perda da fé religiosa, Astrojildo adota as ideias do Anarquismo. Passa a freqüentar o Centro de Resistência Operária, em Niterói, militando politicamente como colaborador no jornal Guerra Social. Os anarquistas Malatesta, Kropotkin, Bakhunin e Sebastian Faure, entre outros, são suas leituras cotidianas.
Em 1913, juntamente com o seu amigo Edgard Leuenroth, participa do 2º Congresso Operário Brasileiro e, com o advento da 1ª Grande Guerra, em 1914, condena o belicismo europeu. São inúmeros os seus artigos nos jornais A Barricada, Clarim e Voz do Pedreiro – órgãos de divulgação dos operários brasileiros. Com a vitória da Revolução Bolchevique (Outubro de 1917), junto com Lima Barreto ele condena a 1ª Grande Guerra Mundial e enaltece a conquista soviética. Escreve diversos artigos de grande empolgação pela nova ordem criada com a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, tendo à frente Lênin, como sua maior expressão. Jornais, como O Debate e a revista ABC, tornam-se instrumentos desta temática, principalmente a respeito das greves operárias de 1917 e 1918, no país.
Em fevereiro de 1918, lança um folheto, com o título de A Revolução Russa e a Imprensa, sendo a primeira publicação de defesa da Revolução Bolchevique, usando, naquela data, o pseudônimo de Alex Pavel. É bom lembrar, que além deste, Astrojildo utilizou outros pseudônimos, como Tristão, Aurélio Corvino, Juca Pirama e Pedro Sambe – prática notória na época, principalmente por parte dos anarquistas.
Nesta mesma época, 1918, exercia a redação dos jornais Crônica Subversiva e O Germinal, tendo sofrido, então a sua primeira prisão, quando da greve dos trabalhadores de transporte da Cantareira. Como sabemos, esta ligação era via marítima, entre o Rio de Janeiro e Niterói. Pouco tempo depois, libertado, se une a José Oiticica, Agripino Nazaré e outros da ala anarquista, objetivando a tomada do poder. Às vésperas do levante, por denúncia de um tenente do Exército, novamente é preso, junto com mais 13 companheiros.
Fora da prisão, em 1919, integra o grupo que fundou o Partido Comunista Libertário, dirigindo o jornal Spartacus, órgão oficial dos libertários comunistas. Entretanto, ocorreu a cisão do movimento anarquista, tendo em vista uma parte apoiando o movimento revolucionário soviético e outro não aceitando o movimento de outubro. A “Estrela Vermelha de Rio Bonito” colocou-se em favor dos bolcheviques. O controvertido embate colocou de um lado, Astrojildo, que utilizou as páginas de O Internacional e, de outro, Edgard Leuenroth, utilizando-se do jornal A Plebe. Isto tudo, entre os anos de 1920 a 1922.
Já em 1920, assume a direção do jornal Voz do Povo, da Federação Operária do Rio de Janeiro, e, a partir de 1921, iniciou uma série de reuniões, visando a adoção de um “novo movimento revolucionário de amplitude histórica”. Assim, em novembro de 1921, criou-se o Grupo Comunista do Rio de Janeiro, tendo à frente Astrojildo e mais doze membros. Como parte da estratégia, lançou-se, em janeiro de 1922, a revista Movimento Comunista, de grande circulação nos sindicatos operários.
Fundadores do PCB, entre eles Astrojildo Pereira. |
Em 1922, esse grupo se reúne em Niterói, entre os dias 25 e 27 de março, organizando o Congresso de Criação do Partido Comunista. Os principais articuladores: Abílio de Nequete (barbeiro), Astrojildo Pereira (jornalista), Cristiano Cordeiro (contador), Hermogêneo Silva (eletricista), João da Costa Pimenta (gráfico), Joaquim Barbosa (alfaiate), José Elias da Silva (funcionário público), Luis Peres (operário vassoureiro), Manuel Cendón (alfaiate). A última sessão dessa fundação foi realizada na casa onde residiam os pais de Astrojildo, em Niterói.
No ano de 1924, já como secretário geral do PCB, viaja para Moscou, enviando as suas famosas “Cartas da Rússia”, para os jornais O Paiz e Solidário. O ano de 1925 marca a confirmação dele como secretário geral, pelo II Congresso do PCB. Inicia-se a publicação do jornal A Classe Operária, órgão oficial do partido, tendo Astrojildo Pereira e Octavio Brandão, como seus redatores. E, nesse mesmo ano, a Comissão Central Executiva do PC destaca Astrojildo para o seu contato com Luís Carlos Prestes, em Puerto Suarez, na Bolívia, onde este se encontrava após sua famosa e histórica “Coluna Prestes”. Este encontro e o que foi conversado, Astrojildo publicou no jornal A Esquerda, dirigido por Pedro Mota Lima, em janeiro de 1928, ano em que, por ocasião do VI Congresso da Internacional Comunista, em Moscou, foi eleito membro da sua Comissão Executiva.
No III Congresso do PCB, Astrojildo foi duramente criticado pela linha política adotada durante sua gestão e as divergências internas se apresentaram de maneira contundente para a “Estrela Vermelha de Rio Bonito”. Isto foi reflexo das tratativas divisionistas iniciadas em meados de 1928. Entre os meses de fevereiro de 1929 a janeiro de 1930, em Moscou, na Internacional Comunista, com a presença de Astrojildo, o PCB foi acusado de “direção fraca” e de “composição pequeno-burguesa”. De volta ao Brasil, completamente desorientado e abalado, trouxe em sua bagagem, por orientação do VI Congresso, a promessa de “combate ao trotskismo e a necessidade de acelerar a proletarização do Partido”. Isto significou, tanto para Astrojildo como para os outros membros da cúpula do PC, a decisão irrefutável de agir e fazer-se valer de operário. O chamado “obreirismo intransigente” atingiu em cheio o Partido.
Em 1930, por decisão do Comitê Central, é afastado da Secretaria Geral, acusado de resistir a esta proletarização. Com efeito, deslocam-no para trabalhar junto ao Comitê Regional em São Paulo. Da capital paulista, em julho de 1931, redige uma carta que confirma o seu afastamento do PCB e a sua vontade de somente colaborar com o Partido, porém não mais fazendo parte dele. Neste mesmo ano, é preso novamente e enviado para o Rio Grande do Sul. Solto, em seguida, volta para o Rio de Janeiro e retoma o seu trabalho no comércio de bananas, negócio este herdado do seu pai.
Em abril de 1932, casa-se com Inês Dias Pereira, filha do histórico líder anarquista Everardo Dias – companheira que lhe foi sempre presente em toda a vida. Nesse ínterim, é expulso do PCB. Após esta expulsão, passou a ler e a escrever sobre várias questões políticas e literárias. Grande parte do que escreveu nos anos de 1933 e 1934 foi reunido no livro URSS, Itália e Brasil, lançado em 1935. De 1940 a 1945, intensificou as suas produções literárias, como crítico nos jornais Diário de Notícias e na Revista Diretrizes. No ano de 1944, publica a obra Interpretações, reunindo estudos sobre literatura, história, política e ensaios sobre Machado de Assis, de quem se tornou, ao longo dos anos, um dos seus maiores e mais conceituados críticos.
Em fins de janeiro de 1945, participa do I Congresso Brasileiro de Escritores, em São Paulo, como representante do Rio de Janeiro. A sua presença marcante neste evento, bem como as suas intervenções, valeram como bússola do referido congresso caracterizado pela oposição dos homens de letras à ditadura varguista. Ele foi não apenas um dos articuladores do encontro como um dos redatores da sua Declaração de Princípios. Ainda em 1945, após 15 anos ausente do PCB, volta às suas fileiras, com um pedido de readmissão. Neste ano, o PC é legalizado. Contudo, o seu ingresso só foi possível mediante a apresentação de uma carta de autocrítica, que ele mesmo fez questão de denominar “Mea culpa”. A partir daí, é designado para o cargo de diretor de duas revistas e eleito suplente do Comitê Nacional do Partido. É nessa época que assume a redação da revista mensal Literatura, surgida em 1946.
A partir de 1948, como um Ícaro, ressurge o jornalista, crítico literário e homem da política, numa intensa e significativa atividade tal como se segue: colaborador dos jornais do PCB – Imprensa Popular (1948-1958); e semanário Novos Rumos (1958-1964); diretor e redator-chefe da revista Problemas da Paz e do Socialismo; criador e diretor da revista Estudos Sociais (1958-1964); autor dos livros Machado de Assis: Ensaios e Apontamentos Avulsos ((1959), Formação do PCB: 1922-1928 (1962) e Crítica Impura: Autores e Problemas, seu quinto e último livro (1963).
Nos últimos anos de sua vida, pertenceu à Comissão Machado de Assis, designado pelo Governo Federal, para a preparação e comemoração das obras machadianas. Nesse período, retornou à União Soviética, para tratamento de saúde. Com o golpe militar de 1964, “A Estrela de Vermelha de Rio Bonito” foi preso e indiciado em diversos inquéritos policial-militares, como os relativos ao PCB e ao ISEB, bem como à imprensa comunista. Na prisão, agrava-se o seu estado de saúde e a sua libertação só ocorreu depois de intensa e significativa campanha. Esta sua detenção ocorreu em outubro de 1964, porém, só em 5 de janeiro de 1965, após 3 meses de encarceramento, é libertado, por força de habeas corpus.
Com a sua saúde debilitada, não resiste e, em 20 de novembro de 1965, aos 75 anos, a “Estrela Vermelha de Rio Bonito” deixa de respirar. Internado no Instituto Brasileiro de Cardiologia, no Rio de Janeiro, Astrojildo estava morto. Com ele morre boa parte da militância idealista do comunismo brasileiro. Seu sepultamento ocorreu no dia seguinte, em Niterói, incumbindo-se de lhe fazer a homenagem à beira do túmulo o seu grande e fiel amigo Otto Maria Carpeaux. E foi este grandioso austríaco-brasileiro que, em tempos passados, assim falou:
“Conheci Astrojildo numa tarde de maio ou junho de 1941, naquela sala pequena e sombria do edifício na avenida que servia então de redação à Revista do Brasil. Um amigo – creio que foi Octávio Tarquínio de Souza – apresentou-me um senhor pacato, ligeiramente gordinho, de bochechas rosadas; só o nome parecia indício de um passado revolucionário do meu novo conhecido, sorridente e pouco falador. Outra vez, encontrei-me por acaso. Passamos pela rua do Rosário, perto da Livraria Kosmos, e alguém que nos acompanhava chamou “do Rosário” à igrejinha na esquina da avenida. Aí o marxista Astrojildo Pereira perdeu a paciência em face do equívoco, começou a revelar conhecimentos notáveis da história local da cidade do Rio de Janeiro. “Não é esta”, dizia ele. “A Igreja do Rosário fica lá no fundo, na Uruguaiana. E o homem pacato ao meu lado, embora cidadão enamorado da sua “mui leal e heróica cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro”, é homem do povo. É isso mesmo. Numa noite de verão, Astrojildo Pereira despediu-se de nós outros na praça Mauá; ia tomar a barca para Niterói. “Será para assistir a uma sessão noturna de conspiradores?”, perguntei, meio brincando. “Não”, dizia um outro, “acho que pretende visitar a mãe dele que vive lá numa casinha. Esse grande revolucionário que viveu anos em Moscou, é homem afetuoso, de virtudes patriarcais, um idealista, um puro –“. De repente, Carpeaux, como que iluminado por uma inspiração, exclamou: “Astrojildo é um santo!”.
Este é, pois, um resumo biográfico do nosso querido e saudoso Jildo, que tanto nos legou de ensinamento e de esperança por este país. É dele a célebre máxima de que “é preciso sacudir pelas entranhas os cegos que não querem ver e os surdos que não querem ouvir. Entre outras razões, porque não queremos que o Brasil se transforme num país de mudos”.
Sobre a figura de Astrojildo Pereira, assim declarou o saudoso bibliófilo José Mindlin: “Sempre admirei a figura de Astrojildo Pereira, e lamentei não ter tido oportunidade de conhecê-lo pessoalmente. Li, entretanto, seus trabalhos, e considero-o um de nossos melhores críticos literários e pesquisadores de literatura brasileira. Admiro-o, no entanto, não somente como escritor e crítico literário, mas também por sua coragem, seriedade, e força de convicção em sua atuação política”.
Não foi por menos que sobre ele também assim escreveu o general Nelson Werneck Sodré, quando da edição, em 1963, do livro Crítica Impura: “Em Astrojildo Pereira reuniram-se algumas das mais altas, puras e nobres características a que um escritor pode aspirar: a retidão e firmeza de caráter, a coerência exemplar de pensamento, a capacidade aguda de interpretação. Esta conjugação é raríssima e, por si só, daria a dimensão excepcional desse homem que, no Brasil, recebe o respeito consagrador de todos os que o conhecem. Como criatura humana, Astrojildo Pereira representa um tipo singular em cuja personalidade se harmonizam a tolerância e a intransigência, a grandeza e a modéstia, a extensão e a profundidade: tolerância ao erro humano e intransigência na defesa de princípios; grandeza na fidelidade às convicções e na capacidade de apreender a realidade, e modéstia na conduta e no entendimento com os outros; extensão de conhecimentos que não se desligou jamais da profundidade e lhe permitiu sempre distinguir com clareza o essencial do secundário. Em nenhum outro homem, também, foi possível a conjugação entre a prática social, oriunda de uma existência inteira dedicada ao serviço de princípios, e isso o tornou testemunha da história, e a teoria a que, muito cedo, se aferrou e cujo conhecimento soube sempre aprofundar. Nesse sentido, o seu exemplo eloqüente de como a prática enriquece o espírito e permite à teoria a sua mais ampla aplicação. Por todos esses títulos, é, certamente, Astrojildo Pereira uma das maiores figuras brasileiras do século, e não vai nisso o menor exagero. Aos que o conheceram será permitido, no futuro, ostentar esse dado como motivo de orgulho”.
Astrojildo Pereira foi uma dessas figuras que se sobressaem de tempos em tempos, rareando cada vez mais. Não se limitou a um círculo restrito de amigos e idealistas; pelo contrário, foi muito mais além disso, participando ativamente das grandes ações do seu tempo, permeando pelo seu caminho trôpego nas perseguições que fora alvo no transcurso de sua vida.
A unanimidade em torno de seus predicados o tornou célebre e respeitável, mesmo os poucos que lhe foram contra ou mesmo os que lhe não confessavam os mesmos ideais. Contudo, temos a acrescentar que foram poucos, mas poucos mesmo, os que lhe não deram crédito ou que dele disseram inverdades. Citamos, como exemplo sempre presente, os embates que ele manteve com Octavio Brandão. No auge da refrega, quando parecia que este romperia definitivamente com Astrojildo Pereira, o célebre viçosense pediu-lhe para ser padrinho de sua filha e, ainda, trazer de Moscou (“Jildo” estava de viagem à capital soviética, em 1961, para tratamento de um enfarte) alguns livros e pertences que lá deixara em casa de sua filha.
Compreender o principal fundador do PCB, seu 2º secretário-geral (o 1º, por alguns meses, fora Abílio de Nequete, em 1922) é uma tarefa grandíloqua e de fantásticas dimensões, pelo que ele representa e representou no contexto social e revolucionário em pelo menos quatro décadas do início do século XX. Toda a sua vida foi de paixão pelos seus ideais e pela sua Inês Dias.
Astrojildo Pereira é, em síntese, uma espécie de ícone da história e do pensamento socialista no Brasil. Soube, através de seus estudos e da sua ação, demonstrar as perspectivas futuristas do nosso país, na questão econômica e social, sem se perder em nenhuma hipótese, em conjecturas e sofismas. Permeou sua vida, sempre, com um comportamento irreparável, num tempo quando muitos se perdiam no rumo e na firmeza interior. Ponderado, resoluto, decisivo à toda prova, comportou-se como bravo – como poucos, mesmo quando afastado das fileiras do PCB e, ainda, no seu retorno, com a célebre “mea culpa”.
Quando da edição da obra póstuma Ensaios Históricos e Políticos, de Astrojildo Pereira, em 1979, assim se expressou o escritor e amigo Heitor Ferreira Lima: “Estatura mediana, cheio de corpo, rosto rosado, liso, cabelos louros, óculos claros de arcos de ouro cobrindo-lhe os olhos azuis vivos, sorriso franco e acolhedor, apresentava a figura simpática, atraente logo à primeira vista. Calmo, sério, falando sem pressa, tinha prosa agradável e variada. Jovial e simples, apreciava anedotas, bebendo ás vezes cerveja, nos encontros de cafés, com os companheiros. Vestia quase sempre jaquetão azul-marinho, usando palheta, o chapéu da moda. Os bolsos do paletó estavam invariavelmente cheios de jornais, em certas ocasiões carregava livro na mão. Costumava ir à União dos Alfaiates, no início da Rua Senhor dos Passos (não dando ainda comunicação com a Rua Uruguaiana), onde traduzia aos presentes, em encontros informais, artigos de La Correspondance Internationale, sobre a situação internacional, frequentemente a respeito da China, então em plena ebulição revolucionária, e da União Soviética. Não fumava e jamais falava exaltadamente. (...) Vinha todos os dias ao Rio de Janeiro, onde trabalhava em jornais de menor importância, ora como redator oura como revisor.... Não fazia ironia ou brincadeiras com ninguém; ao contrário, tratava todos com grande amabilidade. Nunca se referiu a futebol ou filmes, embora fosse freqüentador de cinemas, sua maior distração. Jamais denegriu os anarquistas e seus amigos companheiros, mantendo por eles respeito. Este é o Astrojildo Pereira que conheci”.
Mas, de toda sorte, o autodidata transformou-se numa figura querida, acolhedora e gentil – características de sua personalidade marcante. Não o vimos, nem mesmo quando das duras provas que lhe impuseram, bradar, irar e descompor os que lhe lançaram a dura pecha de “astrojildismo” – centralismo que jamais cultivou em toda a sua existência.
Imaginamos, aqui, o que seria da Academia Brasileira de Letras, que lamentavelmente não o acolheu (ou não pensou em acolhê-lo) tivessem-no em seu seio. Seria a revolução de atos consagrados da maior elevação cultural do nosso país, sem desmerecimento de tantos quantos já fizeram e fazem pela “Academia”. E podemos reafirmar, com plena convicção, sem bajulações e encômios fortuitos, que Astrojildo Pereira mereceria, mesmo “post-mortem” as honrarias de “imortal”. Fica o registro à Academia Brasileira de Letras.
Reverenciá-lo a todo instante não é jamais o culto exagerado à personalidade, mas, contudo, uma modesta (mas opulenta) homenagem pelo que ele produziu e representou em nosso panorama político e social.
Fonte: J. R. Guedes de Oliveira, ensaísta, biógrafo e historiador.
Nenhum comentário:
Postar um comentário