domingo, 19 de março de 2017

O estrabismo cultural brasileiro estimula a ilegalidade e sustenta a indecência

Flávio Azevedo
Eu não serei rigoroso ao ponto de dizer que o brasileiro nasce socialmente defeituoso, mas como a nossa sociedade enfrenta inúmeras deformidades de toda ordem, já nos primeiros anos de vida os pequenos brasileiros são apresentados a corrupção e ela acaba se instalando no seu dia-a-dia. Talvez a primeira corrupção seja a cola, prática entre estudantes. O principal sinal de que a nossa sociedade é doente é a forma como o fiscal é enxergado. Você já notou como aqueles que fiscalizam são olhados de soslaio? E, por quê? Porque ele exige o bom andamento de alguma coisa.

O caso mais recente de falta de fiscalização e corrupção no sistema de vigilância atingiu o que comemos. A Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, mostrou fiscais corrompidos para que porcarias de toda ordem e alimentos putrefatos chegassem à mesa do brasileiro como se fossem próprios para o consumo. A rede de corrupção desmascarada estava dentro dos mecanismos de controle de qualidade e de órgãos que deveriam ter como principal objetivo o bem estar da população.

Mas voltemos ao tema principal, a fiscalização e o nosso estrabismo social. A fiscalização seria uma atividade supérflua, caso nós fossemos minimamente decentes. Está nítido que a existência de um setor ou alguém para nos vigiar apontam para dois caminhos: somos picaretas ou desconhecemos os nossos deveres. Você já observou como são criticados aqueles fiscalizam qualquer coisa? Não gostamos de quem tem a função de cuidar do bom andamento das coisas, porque a Lei de Gerson (se dar bem em tudo) é a única que no agrada, pois somos todos egoístas.

O fiscal do ônibus, aquele cara que precisa verificar se pagamos a passagem até o destino anunciado, seria um elemento desnecessário, mas a nossa cara de pau exige que ele esteja ali. E não adianta apontar os maus passos das empresas que oferecem transporte público para justificar a nossa picaretagem, porque os maus hábitos alheios devem estimular o meu caminhar na direção da Justiça e não da patifaria. E a fiscalização nas estradas, para que? Porque quando estamos dirigindo, enquanto o nosso pé é muito pesado o cérebro irresponsável. E o combustível? Se não for fiscalizado misturam até xixi. Já nos canteiros de obras, sem fiscalização arranha céus são construídos sem a base de ferro e concreto necessárias.

Na área da Educação, o supervisor é necessário para verificar se a unidade escolar está andando dentro dos padrões, o conteúdo anunciado pelo professor está sendo aplicado, como anda a organização do diário e a como está a frequência dos alunos. Nas práticas esportivas é necessário ter alguém arbitrando os lances das partidas, porque somos incapazes de reconhecer quando erramos, por que isso representa ponto para a equipe adversária. E como reclamamos do árbitro e seus auxiliares! E o vereador, o deputado e o senador? Esses têm na fiscalização a sua principal atividade. Mas quando eles exercem as suas prerrogativas são rotulados como oposição e inimigos do governo.

O policial, a quem cabe o serviço ostensivo e de combate ao crime, cabe algumas fiscalizações, entre elas, saber se os documentos dos nossos carros estão em dia; se portamos a documentação necessária para dirigir aquele veículo; entre outras coisas. A Lei Seca, por exemplo, foi criada para tirar dos volantes, os cachaças, os ébrios e toda espécie de irresponsável que ainda não aprenderam que álcool e direção não combinam. E a mídia? Essa é sempre criticada quando fiscaliza e denuncia, uma vez que a maior parte das pessoas ainda pensa que a função da mídia é estimular o consumo, a futilidade, fuçar vida de gente famosa e promover a conversa mole.

No Brasil os valores estão invertidos e quem fiscaliza é criticado. As pessoas esquecem que o fiscal “bonzinho” ou “gente boa” só tem esse rótulo, porque está deixando de exercer o seu papel. Em tempo de muita crítica a classe política, far-nos-ia bem olhar o próprio umbigo, assim como seria salutar entender que as mudanças almejadas devem começar conosco. Ou tomamos vergonha ou a vergonha será tomada de nós!


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