segunda-feira, 4 de maio de 2020

Meu adeus ao "xará" Flávio Migliaccio

Flávio Azevedo
Participação do ator Flávio Migliaccio no Programa Flávio Azevedo, em agosto de 2017.
Depressivos tem sensibilidade... Enxergam a vida por lentes bem mais diferentes das que a maior parte de nós usa para enxergar o mundo. A definição de existência dessas pessoas é diferente da nossa. Eles têm a sensibilidade aguçada. Isso não quer dizer que sejam anjos ou demônios... Eles apenas têm a sensibilidade que a maioria de nós não tem. Agora a cereja do bolo: a forma como nós percebemos a sensibilidade dessas pessoas define o desfecho da vida delas.

É nítido, sobretudo agora, que Flávio Migliaccio – encontrado morto, hoje, na sua casa – não queria aplausos. É nítido, sobretudo agora, que Flávio Migliaccio não queria ser famoso. É nítido que isso o incomodava. Eu sempre entendi que o “xará”, como eu o chamava, não queria ser aplaudido. Ele queria ser ouvido e detestava saber que quando o ouviam isso só acontecia porque ele era da TV, porque ele era “global”.

Flávio Migliaccio queria ser uma pessoa comum, passar despercebida e nem sempre isso era possível. Um dia, tomando café na Padaria Guimeshe, ele me disse: "gosto de você porque você não me trata como aquele cara da TV e sim como um morador da serra que tem preocupações locais... Como o cidadão comum".

Comentei com ele que muita gente o rotulava como metido e antipático, mas eu sempre vi nele um sujeito tímido, às vezes, recluso. Eu me lembro de ter dito a ele que um sujeito antipático não franquearia o campo de futebol da sua propriedade para a garotada da Serra do Sambê jogar bola (eu cheguei brincar lá algumas vezes). 
Por essa razão eu sempre achei que Flávio Migliaccio era um sujeito tímido e que não sabia lidar com o assédio dos fãs, que por vezes são sim muito chatos, as vezes, inconvenientes.

Entre um gole de café e uma mordida no pão, Flávio Migliaccio me olhou de soslaio e respondeu com aquele olhar no infinito que lhe era tão peculiar: "você é um cara que sabe das coisas!". 

Eu nunca fiz muita festa e/ou homenagem para o Flávio Migliaccio, por perceber que ele não ficava a vontade com esse tipo de manifestação. Por essa razão tenho poucas fotos com ele (duas ou três). Sempre entendi que ele não queria ser reconhecido como “Xerife” ou “Seu Chalita”, mas ele gostaria muito de ser ouvido como cidadão. Em Rio Bonito, o “xará” frequentou reuniões de vários conselhos municipais e também a Agenda 21 (as gravações o impediam de ser mais presente). Nesses encontros eu vi ele dando ideias, sugerindo ações. Entretanto, ele nunca foi ouvido em nossa cidade e em lugar nenhum.

Penso que uma série de fatores ao longo das últimas décadas o impulsionaram a não querer estar mais entre nós. Retirou-se de cena de maneira traumática para nós que ficamos. Eu, porém, me recuso a fazer qualquer juízo de valor do seu ato, porque embora eu também seja “Flávio”, eu não tenho a mesma sensibilidade que ele tinha. Adeus Xará! Vamos em frente! #flavioazevedo

Um comentário: