sábado, 5 de março de 2016

Para ter sucesso a Lava Jato também precisa combater o sistema

Flávio Azevedo
Na década de 80, eu ainda garoto, comecei a ouvir falar de um sujeito chamado Lula. O Brasil saia do regime ditatorial, o presidente que assumiria (Tancredo Neves) morreu antes de tomar posse (uma morte cercada de teorias da conspiração)... Assumiu Sarney e uma inflação galopante aniquilou o brasileiro. Veio Collor, um bonitão que confiscou a grana das cadernetas de poupança e fez movimentos que culminaram com o seu impeachment (já na década de 90). Nesse interim, as pessoas começam acreditar fielmente que a solução seria dar uma oportunidade ao torneiro mecânico.

Com o impeachment de Collor, assume o comando da nação Itamar Franco, que foi sucedido por Fernando Henrique. A notícia boa foi o Plano Real. Mas uma série de histórias esdruxulas desgastou o “tucanismo” e fez o povo acreditar no Lula e no seu discurso de “Um Brasil de Todos”. Artistas importantes davam a popularidade que torneiro mecânico precisava para se tornar presidente do Brasil. E aconteceu!

Com Lula na presidência, o Brasil realmente passou por transformações sociais “nunca vistas antes na história desse país”. Além do Bolsa Família, pró isso, pró aquilo, Fome Zero e outros benefícios; as classes mais humildes passaram ate acesso a bens e serviços nunca alcançados na história desse país. Esse cenário não pode ser nunca ignorado.

Todavia, nesse período a corrupção foi institucionalizada. Sacanagem sempre houve, mas era tratada na calada da noite. A palavra propina, até ali cercada de tabu tornou-se oficial. Dinheiro ilícito, até ali entregue nos cabarés e prostíbulos de Brasília, passaram a ser depositados em conta como se fossem salários e resultados de operações financeiras comuns. Negociatas e esquemas, antes conservados nos bastidores mais profundos da República, passaram a ser tratadas nas mesas de tomadas de decisão dos três poderes.

Vejo muita celebração no aperto contra a cúpula petista (Lula, Zé Dirceu, Genuíno, Dilma Rousseff), como se somente esse partido estivesse por trás dos absurdos que estão sendo desvendados pela Operação Lava Jato. A detenção de banqueiros, lobistas e altos executivos de empreiteiras importantes também tem sido celebrada, sobretudo por vivermos num país onde a prisão é para negros e pobres. Ver políticos de grife, por exemplo, o senador Delcídio Amaral (PT), sendo levado pela Polícia Federal numa operação que só víamos contra bicheiros e traficante, dá uma sensação de alma lavada.

Nas ruas, movimentos “pró Lula” e “Fora Lula” são arremedos de representação popular, porque ambos mostram um povo manipulado e uma massa alienada. Apesar de ter um pé atrás com o Judiciário, esse Sérgio Moro me transmite confiança e o molde “Mãos Limpas” (operação feita na Itália contra a corrupção) da Operação Lava Jato é o caminho. Todavia, alguns aspectos da Operação “Mãos Limpas” precisam ser pensados. Iniciada em 1992, a operação italiana investigou 872 empresários, 438 parlamentares, quatro primeiro ministros e sepultou os quatro maiores partidos do país. Teve gente que se matou, entre eles o presidente da petroleira estatal (ENI), Gabriele Caggliari, que era o centro da economia italiana. Outro suicídio emblemático foi de Raul Gardini, um dos maiores empresários da Itália. Até o lendário Giulio Andreotti, considerado o maior politico italiano, esteve perto de ser preso.

Há quem se preocupe com os efeitos futuros da Lava Jato, porque, na Itália, a Operação Mãos Limpas abriu um vácuo de poder que teve efeitos devastadores na economia e na política. Até movimentos separatistas (o Norte querendo se separar do Sul) ocorreram. O vazio de poder causado pela destruição dos tradicionais partidos, as velhas e corruptas lideranças e executivos importantes da Itália, abriu espaço para aventureiros e gente muito mais voraz que aqueles que vinham atuando até ali. Algumas correntes entendem que a Operação Mãos Limpas foi um monumental fracasso, porque ela não acabou com a corrupção, apenas trocou os seus atores.

Diante desse cenário e pensando no que está acontecendo no Brasil, o texto final do segundo filme “Tropa de Elite” fica muito nítido e real. Em suas reflexões finais, o capitão Nascimento diz que “o sistema entrega a mão para salvar o braço... O sistema se reorganiza, articula novos interesses... Cria novas lideranças. Enquanto as condições de existência do sistema estiverem aí, ele vai resistir!”.

A forma de fazer política na Itália é muito similar ao que vemos no Brasil. Eles sempre conviveram com a corrupção. O país nunca foi marcado por políticos honestos e para quem não sabe, a propina é uma invenção italiana e, exatamente como acontece no Brasil, é cultural. Há quem defenda a ideia de que é melhor lidar com espertinhos criativos que com honestos burros e medíocres. A explicação é simples: ao longo da história da humanidade, as grandes economias sempre nasceram da ideia criativa de históricos pilantras e nunca de monges franciscanos.

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