domingo, 13 de setembro de 2015

A população de rua e a lógica do próximo

Flávio Azevedo 
Não é uma fotografia tirada no Centro do Rio de Janeiro, mas em Rio Bonito.
Noite de sábado (12/09). Depois de assistir o espetáculo “Lisbela”, no Espaço Cultural Lona na Lua, minha filha e eu fomos lanchar no Trailer Amarelinho, na Praça Dr. Astério Alves de Mendonça, no Centro de Rio Bonito. Ainda dentro do carro chamou a nossa atenção a figura de uma pessoa deitada no chão. Estávamos diante de alguém que diariamente faz a calçada de cama, a soleira da porta de travesseiro e as marquises de abrigo.

A minha filha me olhou e perguntou: “pai, eu posso comprar um lanche para essa pessoa?”. Eu mostrei a ela um pratinho e uma garrafa de refrigerante ainda cheia próximo dela. No Amarelinho, o nosso amigo Leonardo explicou que quando ele chegou para trabalhar aquela pessoa já estava ali. Ele contou que um cliente fez exatamente o que a minha filha sugeriu: pediu dois lanches e levou um para aquela mulher. Depois que ele levantou, veio ao trailer, pediu mais comida e Leonardo a serviu.

É triste ver uma pessoa, sobretudo numa noite fria e chuvosa, dormindo ao relento. Por isso eu defendo a construção de um abrigo que receba essas pessoas. Mas a minha concepção de abrigo é diferente do que vejo ser oferecido. Esclareço aos amigos que eu sou técnico de enfermagem, conheço bem a dificuldade que é a relação com moradores de rua e tenho total consciência de que essas pessoas sofrem sérios transtornos metais, emocionais, sociais e espirituais. Essas situações as arrastam para essa condição existencial degradante. Todavia, impor uma lógica de existência que elas se recusam a viver tornam essas pessoas ainda mais alijadas do convívio social.

Todos nós sabemos também, que 99% dessas pessoas estão na rua, porque assim decidiram viver. Outra realidade é que vários desses indivíduos têm família, algumas, inclusive, com excelente condição financeira. Mas eu gostaria de me deter na questão do abrigo, que precisa ser um lugar que receba a pessoa, ofereça um banho, algo para comer e uma cama para dormir. No dia seguinte, se ela desejar ficar e se tratar ótimo! Se não quiser, paciência! Mas sem essa de obrigar o sujeito a “aceitar Jesus”, pegá-lo para criar; querer casar com ele etc.

Mas falando em Jesus, toda essa conversa me lembra da pergunta feita por Ele quando contou a parábola do Bom Samaritano (ilustração): “quem é o meu próximo?”. Segundo o fundador do cristianismo, “o próximo é quem usa de misericórdia com quem necessita”. Isso mostra que todos nós somos "o próximo" das pessoas que vivem em condição de vida degradante e marginal. Baseado nessa lógica eu afirmo não ser culpa da Prefeitura ou de qualquer governo essa situação, MAS DE TODOS NÓS!

O problema é que nós tentamos forçar as pessoas a “aceitarem Jesus”, quando o próprio Jesus não se impõe a ninguém. Ele fazia o milagre e o beneficiado ia embora. Ele morreu na cruz por todos e não apenas por aqueles que O aceitam. Ou seja, Ele fez a parte dEle e quem desejar aceitar ótimo! Deus respeita as escolhas das pessoas, mas nós não agimos da mesma forma. Temos o mau hábito de forçar a barra e queremos obrigar o sujeito a "aceitar Jesus".

Para provar o que digo, eu convido você a visitar a história dos 10 leprosos. Eles foram purificados por Jesus, mas o relato bíblico diz que apenas um deles retornou para agradecer. Todavia, Jesus não retirou a cura dos nove que não agradeceram o benefício que receberam. Ele apenas elogiou a iniciativa do que voltou para agradecer. Portanto, esse papo de não vou ajudar por causa disso e daquilo é a prova real de que no fundo nós não queremos é ajudar e não entendemos o sentido de “próximo”.

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